quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O dia em que nós fomos despedidos da Casa de Menores Mário Negócio - Parte V

Por: José Mendes Pereira


Meu amigo e irmão Raimundo Feliciano:

Ainda recordo como se fosse hoje, numa manhã ensombrada pelas nuvens, sem previsões de chuvas, o dia em que a nossa diretora dona Caboquinha, nos chamou em sua diretoria, e nos comunicou que aquela boa vida que nós tínhamos antes, naquela Casa de Menores Mário Negócio, havia chegado o fim, pois nós não tínhamos mais direito de continuarmos como internos daquela instituição, alegando-nos a nossa maioridade, por ser uma escola que abrigava alunos até que completasse 18 anos.

 O mês era novembro, o dia, se não me foge a memória, 26, mas o ano não tem como fugir da minha memória, foi em 1970, e neste mesmo ano, havíamos terminado os nossos sofrimentos no TG - Tiro de Guerra em Mossoró.

 
Raimundo Feliciano e José Mendes - ex-internos da Casa de Menores Mário Negócio

Aquela notícia de imediato era como se a gente tivesse sido atingido por uma perversa punhalada. O que era bom antes, agora seria difícil para procurarmos um lugar seguro, onde nós pudéssemos conviver em família. Os que ali ficaram não sabiam bem se o nosso amanhã, iria nos dar alimentos ao redor de outros que talvez substituíssem as nossas amizades de antes.

Lembro-me que a nossa convivência naquela casa seria até quarta-feira, que se aproximava. Você com seu jeito engraçado, apoderado daquele violão do Chico Pompilo, que com ele fazíamos as nossas serenatas, pôs-se a cantar uma música de Roberto Carlos, a qual estava sendo a mais tocada nas emissoras de rádio.

Não vou ficar

Há muito tempo eu vivi calado
Mas agora resolvi falar
Chegou a hora, tem que ser agora
E com você não posso mais ficar
Não vou ficar, não (não, não)
Não posso mais ficar, não, não, não
Não posso mais ficar, não

Toda verdade deve ser falada
E não vale nada se enganar
Não tem mais jeito, tudo está desfeito
E com você não posso mais ficar
Não vou ficar, não (não, não)
Não posso mais ficar, não, não, não (Não, não)
Não posso mais ficar não...

 

Após a nossa saída de lá você tomou rumo aos seus familiares, e como sempre foi responsável, trabalhou durante muitos anos com a família Negreiros, a qual tinha toda confiança e respeito à sua pessoa, e pelo seu profissionalismo, só os deixando quando os Negreiros mais velhos partiram para a eternidade.


 Aqui funciona o Cine Caiçara, Rádio Difusora e Editora Comercial S/A.

Assim como eu você também foi um que passou pela Editora Comercial S/A. Sei que foi por pouco tempo, porque a sua profissão não era manusear aquele quebra-cabeças de juntar letras por letras, para formar palavras ou conteúdos inteiros. 

Eu não quis voltar para os meus familiares porque de lá eu já tinha vindo, e a solução foi me alojar no Sindicado da Lavoura de Mossoró, hospedagem adquirida pelo meu pai, Pedro Nél Pereira, que era um dos membros da diretoria daquela instituição sindical.



Pedro Nél Pereira

A primeira noite em que dormi lá me senti como se fosse um sujeito rejeitado por Deus, pela sociedade, pelos amigos, sem pai, sem mãe e irmãos ao meu lado. Deitei-me e fiquei a olhar o teto, imaginando o teto que eu havia deixado para trás, seguro, com alimentação na hora certa, roupas e calçados se eu precisasse, acompanhado de uma porção de amigos. Eu ali sentia uma solidão que só eu sabia. Em alguns momentos, me levantei, fui até à porta e fiquei observando os transeuntes que àquelas horas ainda passavam para suas casas.


Transeuntes

Eu, em segredo, pelas rótulas da porta da frente, observava aquele movimento bastante restrito de pessoas que se deslocavam, e de repente, vinha um senhor ocupando toda a Rua Almirante Barroso, e em suas mãos, um objeto. Vi de imediato que era um bêbado que conduzia um cabresto, talvez para recolher um dos seus animais. As horas já se passavam, mas eu não tinha a mínima ideia o que os relógios da humanidade marcavam naquele momento. 


diocesedemossoro.blogspot.com 

Lembrei-me da matriz de Nosso Senhora da Conceição, e resolvi sair fora para ter ideia que horas o relógio da Igreja assinalava. E vi que os enormes ponteiros marcavam 2 horas da manhã. Retornei à rede e fiquei imaginando o que seria de mim no dia seguinte, onde eu iria tomar o primeiro café do dia, almoçar, e posteriormente o jantar. Mas finalmente, minutos depois eu adormeci, só acordando quando a assistente do dentista do sindicado (Dr. João Falcão), chegou para dar início aos seus trabalhos rotineiros.

Vivi dias e noites difíceis, alimentando-me muito mal, e se eu almoçava (na Churrascaria do Batista, na Alberto Maranhão com o cruzamento da Almirante Barroso), às vezes eu não jantava, por falta de dinheiro; eu ainda não era gráfico profissional, e ganhava muito pouco. Foram dias, meses tentando me adaptar a nova vida que eu havia ganhado.

Neste período de sofrimento eu era aluno do Ginásio Municipal, e que muitas vezes frequentei àquela escola sem jantar, mas nunca cheguei a nenhum dos meus amigos para contar o que estava se passando comigo. E para amenizar um pouco a falta de alimento em minha barriga, fumaça, fumaça, e feito isso,  o que me maltratava no momento, havia desaparecido, só retornando as mesmas crises horas depois.

Quando o meu pai me visitava no meu local de trabalho especulava-me sobre o meu passadio, se eu estava comendo todos os dias, se eu jantava, tomava café..., se eu estava necessitando de roupas e calçados. Mas eu o deixava sossegado, em paz, sem aperreios, para que ele, minha mãe e meus irmãos dormissem as noites inteiras sossegados.

O meu pai nunca fora rico, apenas era um homem que tinha um bom chiqueiro de caprinos, mais umas cabecinhas de bovinos. Ele sempre me dizia, que se eu estivesse necessitando de alguma coisa para tanger a vida, ele venderia alguns bichos miúdos. Mas eu lhe dizia que eu estava muito bem, obrigado, comia francamente, todos os dias.

Devido a minha situação difícil em alguns momentos pensei em retornar ao campo, voltar a viver àquela vida de camponês, trabalhando na agricultura, nos carnaubais, acordar três horas da madrugada para fazer empilhamentos das palhas das carnaubeiras, cuidando das criações, campeando o minúsculo rebanho de gado que o meu pai possuía, carregando água em ancoretas sobre o lombo de animais, ou sobre o meu próprio ombro.

Granjaceara.blogspot.com

Mas me veio o medo de passar por covarde, fraco, sem esperanças, desprovido de fé em Deus, e depois de imaginar tudo isto, decidi-me, tentar, valia a pena, desistir do sofrimento não era uma boa opção. Que eu seguisse o caminho para ver aonde eu iria chegar, do jeito que Deus havia determinado para mim. 

Para tomar intimidade com esta nova vida levei muitos dias para me acostumar,  e como sempre Deus está perto de nós, felizmente, um funcionário que trabalhava comigo na Editora Comercial, José Nogueira, filho de Aldenor Nogueira, resolveu ir morar em Natal, e a partir daí, fiquei assumindo o seu lugar, e passei a ganhar de igualdade com os outros profissionais.



Maria José Florêncio, José Mendes Pereira, Lá atrás, Moacir, José Nogueira e Raimundo Costa - os dois últimos já faleceram

Sofri muito, mas tudo que passei, valeu a pena. Estudei e sou formado pela Universidade Regional do Rio Grande do Norte - FURRN, nos dias de hoje, UERN. Já estou aposentado, pela Secretaria de Educação e tenho quatro filhos, todos, empregados, e tenho sete netos. Foi uma prova dada por Deus. Venci todos os obstáculos que um ser humano tem que enfrentar para contar a sua história. Hoje estou amparado pela divina graça do Deus todo poderoso.

Minhas Simples Histórias

Se você não gostou da minha historinha não diga a ninguém, deixe-me pegar outro.

Fonte: http://minhasimpleshistorias.blogspot.com

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