terça-feira, 20 de setembro de 2011

MORTE DO 1º INIMIGO DE LAMPIÃO


Por: Juarez Conrado

SEGUE, LOGO ABAIXO, MATÉRIA SOBRE A MORTE DE " ZÉ SATURNINO ", O 1º INIMIGO DE VIRGULINO FERREIRA DA SILVA ( LAMPIÃO ), PUBLICADA NO JORNAL " A TARDE ", EDIÇÃO 05/09/1980 .

Impressionante o fato de um simples furto de bodes, tão comum nos longínquos anos de 1910 a 1920, haver se constituído no ponto de partida para uma das mais emocionantes histórias do banditismo em toda América Latina, fazendo com que um dos seus personagens, um tímido e bem comportado garoto, do interior de Pernambuco, se transformasse numa figura legendária, da qual ainda hoje se ocupam jornalistas, pesquisadores e, principalmente, sociólogos, todos eles interessados em conhecer de perto detalhes da vida desse homem que marcou época nos sertões brasileiros.
Lampião, já o sabemos, morreu há 42 anos, na Grota do Angico, no município, sergipano de Poço Redondo. Mas, quem era, e o que para ele significava José Alves de Barros, o José Saturnino, falecido a semana passada, aos 86 anos, em Serra Talhada?
Uma pergunta cuja resposta não poderá ser encontrada senão com o retorno ao ano de 1916, quando ambos, de bons e pacíficos vizinhos, acabaram por se transformar em ferozes e irreconciliáveis inimigos, que faziam do ódio suas vidas marcadas por tiroteios e emboscadas, tingindo de sangue a pequena região onde conviviam.
Uma situação que iria se transformar com o furto praticado por um dos empregados de José Saturnino, logo descoberto por um inspetor de quarteirão violento e autoritário, compadre e amigo do velho José Ferreira, que não hesitou em prender o ladrão, impondo-lhe uma série de impiedosos castigos. Era o começo de tudo.
Represálias
Saturnino irritado, iniciou uma série de represália contra os Ferreira, mutilando, quando não matando, suas criações, criando uma situação tão tensa entre eles que exigia a medição de autoridades locais, como o juiz de direito, Adolfo Cardoso, e o coronel e chefe político Cornélio Soares, ambos prevendo acontecimentos de extrema gravidade, a persistirem os desentendimentos.
Os fatos que se sucederam são do conhecimento geral e deles muitos já se ocuparam, narrando-os, nem sempre, com muita fidelidade. José Saturnino não aceitava as acusações que lhe eram feitas como responsável pela transformação de Virgulino no cangaceiro que todos nós conhecemos.
Marilourdes Ferraz
Tanto não aceitava que, pouco antes de sua morte, em carta dirigida à jornalista pernambucana Marilourdes Ferraz, dizia que, na “realidade dos fatos, os sertanejos viviam em época de grande atraso...Quando a minha pessoa, fui criado pelos meus pais na Fazenda Pedreira e baixa de São Domingos, e que me ensinaram a respeitar os direitos alheios, o que posso provar com os meus vizinhos, especialmente, alguns que ainda restam com suas idades avançadas. Os Ferreira, certos ou errados, queriam superar aos demais; quando não gostavam de uma pessoas, tratavam de hostilizar, assim aconteceu com a minha pessoa.
Retiraram-se para um distrito de Floresta: dentro de dois anos, saíram por motivo de questões com os filhos da terra e a polícia do destacamento. Venderam o que tinham e foram para Matinha de Água Branca, Alagoas, onde, muito cedo, desinquetaram os irmãos Porcino Cavalcanti Lacerda... em consequência da vida torbulenta dos Ferreira, vieram a perder a mãe, D. Maria Ferreira Lopes, que faleceu traumatizada pelos vexames que passara vendo seus filhos perseguidos pela polícia alagoana, e depois, o próprio pai... motivo da conduta dos seus filhos”.
A revolta de Saturnino, ente tantas acusações, estendia-se aos seus filhos Aureliano e João Alves Barros, que, na mesma oportunidade, há cerca de um mês, escreveram o seguinte comentário, publicado pela imprensa pernambucana:
“Se algum cangaceiro destrata meu pai, está certo, está no papel dele. Agora, o que nos revolta, como sempre revoltou meu pai, é o fato de homens que tiveram a oportunidade de maiores estudos viverem  perseguindo meu pai com acusações injustas, só para dar uma explicação para vida de cangaceiro de Virgulino Ferreira”.
E ressaltou João:
“Meu pai sempre viveu nesta região (Serra Vermelha); trabalhou no campo toda a vida; a vida dele como militar foi uma fase. Só entrou nas Forças Volantes depois que Lampião veio de Alagoas, diversas vezes queimar nossas propriedades e roubar o nosso gado. Nunca meu pai matou ninguém, nem dos Ferreira. Lampião, ao contrário, matou muitos dos nossos parentes, inclusive José Nogueira, com frieza, à traição, roubando-lhe até as alpargatas dos pés, tendo Antonio Ferreira calçado e saído com elas.
 
Lampião à esquerda e Antonio Ferreira à direita
NAS “VOLANTES”
Em um dos muitos livros publicados sobre a vida de “Lampião”, e de autoria de pesquisadora Aglae, José Saturnino fala das lutas, das emboscadas, dos “homens machos” que lutavam ao seu lado, como Zé Caboclo, Zé Batoque, Paisinho, Cassimiro e Nego Tibúrcio. Refeiru-se aos insultos que trocavam quando se encontrava com os membros da família Ferreira, da troca de tiros com Virgulino, Antonio, Livino, Antonio Matilde e Luiz da Gameleira. Do cavalo que vendeu a Zé Ciprino, de Nazaré, da emboscada que lhe foi preparada por Virgulino, quando, no dia da feira, foi receber o dinheiro correspondente à transação com o animal.
Uma narrativa simples e que vale a pena ser descrita para mostrar o clima que reinava entre eles:
- Pru vorta das treis hora da tarde arrecebi o dinheiro du cavalo. Cem mil réis. Selei meu burro. Quando andei meia légua, fui envolvido numa emboscada. Eu e João Fuló brigamo cinco hora. Quando cheguei in casa era 9 da noite. Naquele tempo a puliça era pouca e quando a gente quebrava as acomodação do Juiz e do Coroné tinha tiroteio de novo. Eu e os vizinho sabia aqui os Ferreira irá cercar minha casa antes do dia quilariá. E viero. Brigamo desde 1 da manhã às 6. Eu tinha 23 homes. João Flor, Zé Cabolbo, Zé Batoque, Cassimiro e Tibúrcio era cabra muito home, muito macho. A munição dos Ferreira se acabou-se. Se arretiraro chamando nomes feio”.

José Saturnino foi integrante das forças Volantes durante alguns anos e conviveu com cangaceiros famosos como: Cassimiro Honório e Antonio Matilde. Foi fazendeiro e sobre tudo, vaqueiro. Lutou contra secas, inclementes e amou sua terra tanto quanto amou sua família.

Na noite em que morreu, José Saturnino cantou aboios como nunca o fizera em sua acidentada vida no campo, tangendo as reses.

Diz a crença popular que as pessoas antes de morrerem, revivem o passado. Se assim é, certamente naquela noite, o velho Saturnino deve se ter sentido, novamente de mosquetão, em punho. Ao lado dos velhos e corajosos companheiros, fugindo das emboscadas armadas pelos Ferreira, com eles lutando com aquela coragem que guardou até os últimos momentos da vida.
Deveria ter-se visto vestido de gibão, chapéu e alpargatas de couro cru cavalgando por toda aquela região  onde, quando não estava lutando, aboiava como um autêntico vaqueiro que era.
Saturnino, afinal, está descansando. Está sepultado, há cerca de 15 dias, na terra pela qual sempre viveu e lutou, porque a amava como a sua própria família.
E com sua morte, com poucos registros na imprensa, desaparece uma figura da maior importância na história do cangaço brasileiro.
Apagava-se a figura de um homem que, durante toda a sua existência, dedicou-se a combater bandidos e bandoleiros, expondo-se à balas dos inimigos, num verdadeiro desafio à morte.
A morte que afinal, o levou de vencido em Serra Talhada, fazendo desaparecer um dos últimos remanescentes, e certamente de todos... da era de “Lampião”.
Esse cemitério está um pouco abandonado, como se ver nas fotos. 

Um abraço a todos.
IVANILDO ALVES SILVEIRA
Pesquisador e colecionador do cangaço
Natal-RN    
Extraído do http://blogdomendesemendes.blogspot.com

6 comentários:

  1. Parabéns pela publicação da matéria, pois muito se fala do Virgulino e pouco do Saturnino. Essa história me fez recordar da briga famosa entre os Hatfields e os McCoys no oeste americano, na época da guerra civil de lá. Espero que um dia essa história tão marcante venha a ser apresentada ao grande público, sem parcialidades, como aqui está mostrado, e denunciando mais uma vez as atrocidades que o Estado brasileiro já cometeu contra esse sofrido povo sertanejo, e continua cometendo, com menos violência, talvez, mas com igual crueldade.

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  2. Tenho curiosidade em conhecer a origem da familia Alves de Barros. Havia parentesco de Jose Saturnino Alves de Barros com os Alves de Barros de Imperatriz, Maranhao?

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  3. Acima, sou bisneto de Joaquim Pedro Alves de Barros, que foi oficial de Marinha, bem como dois dos irmaos. O quarto irmao foi medico do Exercito. Havia Joao Alves de Barros que mudou-se para Mato Grosso.

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    1. Prezado Dr. Antonio Barros, sou parente de Antonio Pedro Alves de Barros, falecido com oitenta anos em 16/09/1922, casado com Constança Amelia de Mattos, natural do Maranhão. Seria este meu parente irmão do Capitão Tenente Antonio Britto de Barros, filho de Joaquim Pedro Alves de Barros e de Maria da Cruz Britto? Muito obrigado

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    2. Prezado primo Jorge Augusto,
      O parentesco bateu de quina. bem próximo. Antonio Pedro Alves de Barros, falecido com oitenta anos em 16/09/1922, era irmão de Joaquim Pedro Alves de Barros, meu bisavô, que também foi militar da Marinha. Antonio Britto de Barros nasceu do casamento de Joaquim Pedro e Maria de la Cruz Brittez de Barros. Antonio foi também da Marinha, falecendo em Friburgo em 1926. Minha avó Conceição Bugueta de Barros. Meu pai chamava-se José Bugueta Britto de Barros e foi Oficial do Exército, falecido em 1993. Minha mãe, Ana Lacerda de Barros.
      Sei que esses Alves de Barros eram de Imperatriz, Maranhão. Mas perdi o contato com esse ramo maranhense. Um amigo de Crato, contou-me que sabia do parentesco de Saturnino com os demais Alves de Barros e que isso seria coisa conhecida no Cear´e Maranhão. Como não mais o vi, voltando aos 75 pra o Ceará, perdi o contato.
      Atenciosamente
      Antonio Pedro Lacerda de Barros, antonyobr@gmail.com

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  4. Muito bom este comentário, pois, trás para atualidade fatos que estavam sendo esquecidos e que fazem parte da vida dos sertanejos que ainda tem na sua memória a convivência com o cangaço. Os tempos passaram, mas a realidade ainda é pouco diferente daquela época. Como disse o cordelista do cangaço, Geno das Alagoas: "O cangaço continua, mas de forma diferente" em uma entrevista concedida em Brasília para a Rádio FM 6 de Abril, Cruz-CE, feita pelo radialista Dr. Lima em novembro de 2013.

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