quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O FOGO DAS GUARIBAS – A TRAGÉDIA DE CHICO CHICOTE

Por Roberto Junior

1927 foi o ano em que o Cariri estremeceu com um dos maiores e mais memoráveis tiroteios que a crônica histórica do Coronelismo Caririense pôde registrar. O ataque a casa grade do Sitio Guaribas, em Porteiras, é até hoje um dos maiores exemplos dos arranjos e conluios que uniam numa massa uniforme, os mandões do Cariri e os praças que representavam a Policia Militar do Ceará, sendo esta última, não raras vezes, utilizada como força auxiliar dos poderosos que a tudo e sobre tudo decidiam sob a ótica do bacamarte.


Em 28 de Janeiro de 1927, chegava a Brejo dos Santos, atual Brejo Santo, uma volante comandada pelo então tenente, José Gonçalves Bezerra, uma dos maiores facínoras que já circulou pelo Cariri, e que também esteve envolvido no desmonte do Caldeirão do Beato José Lourenço, em Crato. O militar havia montado campanha com a justificativa de que estaria em busca de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, que de fato estava na região, mas seria usado apenas como cortina de fumaça, pois, Zé Bezerra, na verdade estaria atendendo a outras demandas, mais especificas e que nada diziam sobre combater o afamado cangaceiro.

A primeira missão do tenente havia sido ir até Macapá, atual Jati, em busca de Antônio Marrocos de Carvalho, um coletor de impostos que ganhava rápido prestigio em sua localidade, a época anexada ao município de Jardim, e que estaria incomodando velhas lideranças politicas. Algum tempo antes, Marrocos havia sido denunciado por essas mesmas lideranças, por ter dado abrigo a Lampião e seu bando, o que de fato havia ocorrido, e é interessante ressaltar que as denuncias ocorreram após duas tentativas fracassadas de assassinar o coletor. Nêgo Marrocos, ciente do contexto desfavorável a si, explica ao cangaceiro, em outra visita do mesmo, que não mais poderia abriga-lo em sua residência diante das denúncias, e Virgulino, compreendendo os fatores, causas e finalidades, recomenda a Marrocos que fizesse denuncia de sua passagem pelo local, como tentativa de afastar de si a fama de coiteiro, que muito poderia lhe complicar. Foi valendo-se desse argumento, que o militar conseguiu fazer com que Antônio Marrocos o acompanhasse, pois, segundo Zé Bezerra, endossando as fileiras da volante que buscaria Lampião, Marrocos afastaria definitivamente as confirmações de suas atividades como aliado de Virgulino Ferreira.

Procedente de Jardim, a volante iniciou sua marcha até o Sitio Guaribas, atual município de Porteiras, nos primeiros minutos da madrugada de 1° de Fevereiro de 1927, tendo como ponto intermediário o sítio Salvaterra, onde o sanguinário tenente cumpriria mais um acordo fechado com os potentados rurais do Cariri. Como podemos observar, Zé Bezerra havia fechado o que poderíamos chamar de “Pacote de Pistolagem”, pois, atendendo as velhas raposas de Jardim, iria exterminar Antônio Marrocos de Carvalho, e respondendo aos mandatos de Sebastião Salviano, vulgo Sinhô Salviano, mataria também a Antônio Gomes Grangeiro e Francisco Pereira de Lucena, vulgo Chico Chicote.

Antônio Grangeiro, tempos atrás havia tido um sério desentendimento com José Franklin de Figueiredo, por questões de terra, e Chico Chicote, em apoio a Grangeiro, havia assassinado José Franklin, que era cunhado de Sebastião Salviano; este último teve por ação buscar abrigo junto do coronel José Pereira Lima, maldito Zé Pereira de Princesa, no reduto absoluto do mandão, a cidade de Princesa Isabel, na Paraíba, com a finalidade de tramar sua vingança que foi executada justamente na ação acima citada.

Mas voltando ao sítio Salvaterra, a casa grande do mesmo foi invadida antes do raiar do dia pelo troço de malfeitores da policia. Em seu interior estavam Antônio Grangeiro, João Grangeiro (Louro Grangeiro), sobrinho do proprietário, e dois moradores, Aprígio Temóteo de Barros e Raimundo Madeiro Barros (Mundeiro) que foram rendidos e obrigados a marchar rumo a Guaribas junto do exército de facínoras. Em determinado ponto da caminhada, estima Joaryvar Macedo que a cerca de 500 metros da residência de Chico Chicote, foram os supracitado assassinados, sofreram degola e tiveram seus corpos incinerados. O batalhão sanguinário seguiu sua marcha, ainda mantendo Nêgo Marrocos entre seus números; anteriormente, Marrocos, segundo algumas fontes, teria inocentemente desenhado a planta da casa grande de Guaribas, que ele tão bem conhecia, e que era praticamente uma fortaleza, com paredes largas e seteiras por onde se poderia armar defesa, o que facilitou em grande soma o trabalho de Zé Bezerra e seu bando.

Deixando o grosso da tropa em ponto estratégico, Zé Bezerra e seu incansável braço direito, Veríssimo Gondim, seguiram com Nêgo Marrocos, e pasmem, um sobrinho de Chico Chicote, que serviu de guia ao troço de malfeitores, até o terreiro da casa de seu tio. O imóvel, as 7h da manhã já estava rodeado de plena movimentação, e o rosto conhecido de Marrocos não deu grande alerta aos anfitriões, somente o estampido da arma do tenente Veríssimo, que com um balaço atingiu o coletor de impostos nas costas, denunciou a trama diabólica que se desenrolava naquele momento. A chuva de balas iniciou com carga máxima, e Chicote em minutos viu seu reduto cercado por 70 praças e muitos “Papo Amarelo” com o cano quente, e em seu auxilio, Chico teve inicialmente somente sua esposa, Dona Geracina, sua filha, Josefa, seu filho, Vicente Inácio, e os cabras, Sebastião Cancão e Mané Caipora, era o inicio do Fogo das Guaribas.

Durou 31 horas a peleja de Chico Chicote, e nem o pequeno contingente de auxílio que veio de Porteiras, composto por cerca de 50 pessoas, conseguiu dar vencimento nas volantes criminosas, que ao cair da tarde do dia 1° de Fevereiro de 1927 já haviam recebido reforços de volantes do Pernambuco e da Paraíba, assim como também de um magote de cabras chefiados por Sinhô Salviano, que a conferiu uma força de mais de 200 homens. Mas eram valentes os que se defendiam; Dona Geracina e Josefa se revezavam recarregando, e com o a ajuda de uma gamela de água, refrigerando os rifles. Chegado o dia 02, a fuzilaria continuava a todo vapor, mas Chico, vendo um de seus cabras mortos e o cerco se fechar, sugeriu ao filho, Vicente Inácio e ao outro companheiro, que fossem embora, e contando somente com a ajuda da esposa e da filha, deu combate aos desditosos fardados até as duas horas da tarde. Baleado no maxilar inferior, no braço esquerdo e com o tiro fatal no tórax, Chicote foi encontrado de joelhos, amparado na parede, na posição de atirar e ainda com uma bala na agulha, estava completamente escura a sua pele do rosto, mãos e braços, por efeito das horas de disparos por ele executados, e naquele momento Sinhô Salviano executou sua vingança pela morte do cunhado, encravando na axila esquerda de Francisco um punhal, configurando semelhante ferimento ao que Chico havia causado em José Franco.

Conta-se que na Malhada Funda, localidade ali próxima, estava Lampião, que ouvindo o tiroteio, soube exatamente do que se tratava, mas era Chico Chicote inimigo seu, e por isso não foi em seu socorro. Não obstante a traição de João Gomes Lucena, sobrinho de Chico que serviu de guia aos integrantes da volante, também nos causa estranheza a ação de Quinco Chicote, irmão do falecido e chefe de Brejo Santo, que além de não enviar ajuda, também impediu que Isaias Arruda, chefe de Missão Velha, e Pedro Furtado, de Milagres, enviassem seus homens para travar batalha no Fogo das Guaribas.

É fato o temperamento explosivo e a vida marcada por malfeitos que levou Chico Chicote, mas a figura não ofusca a trama asquerosa que foi montada e que teve como protagonistas homens que deveriam fazer valer a lei, mas que na realidade eram jagunços fardados, usados como braço armado do aparelho politico de outrora, sendo um dos maiores exemplos deste triste papel, que não raras vezes as policias do nordeste representaram.

Terminado o Fogo, a Casa de Guaribas sofreu um saque completo, plantações e animais foram atacados e o cenário era desolador. O imóvel foi usado ainda por longos anos, e a oralidade de Porteiras registra que muitos dos que ali padeceram (também morreram 27 praças, que após dias ainda eram encontrados no meio da mata) continuaram a vagar pela localidade e pela casa, que infelizmente foi demolida no começo dos anos 2000.

Zé Bezerra foi assassinado em 10 de maio de 1937, envolvido em mais um caso escabroso, o do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto. Veríssimo Gondim foi morto em 26 de junho de 1932, atingido pelas costas, assim como fez com o Nêgo Marrocos, pelo coronel Raimundo Augusto Lima, suas últimas palavras teriam sido: “Que homem falso”.

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