domingo, 21 de janeiro de 2018

OS AMORES DO CANGACEIRO

*Rangel Alves da Costa

A história e os livros comprovam a sedução causada pelos cangaceiros perante as meninas e mocinhas sertanejas. Envoltos em adornos e enfeites, lastreados de dourados e prateados, reluzindo nos embornais, nas cartucheiras, nos dedos e nas cabeleiras, os artistas das caatingas faziam pulsar corações e mentes. Sem falar na pele jambeada, tingida de sol e curtida no suor da luta, sempre exalando desmedido perfume. Fragrâncias tão fortes quanto o próprio homem.

Juriti era um verdadeiro galã. Luiz Pedro, com seu porte altaneiro e sua cabeleira, parecia saído de uma película hollywoodiana. Alguns, além dos dourados e reluzências, das vestes encobertas de vaidades, até usavam óculos escuros de sol. Que se imagine a tempestade que provocavam ao surgirem nas fazendas e taperas ou adentrarem nos arruados e povoações! Um espanto a tantos, mas também um indescritível fascínio aos virgens e despreparados corações femininos.

Os pais de família tudo faziam para evitar que as atrações e seduções cangaceiras levassem de sua casa sua menina ou sua mocinha. Muitos fugiam levando suas crias, muitos as escondiam debaixo das camas. Muitos não tinham, perante o calor da hora, o que realmente fazer. Então os encantamentos, as paixões repentinamente surgidas. E depois os retornos para buscar as prometidas ao mundo cangaceiro. Assim aconteceu, por exemplo, com Sila. Canário disse que retornaria para buscá-la e assim aconteceu.

Contudo, o homem cangaceiro nem sempre precisou utilizar sua estética - roupas, adornos e enfeites - para atrair corações. Sua força sedutora estava em outras qualidades, que não a da beleza ou do porte, mas necessariamente pela sua própria feição humana, incluindo-se, logicamente, atributos como o caráter, a honradez e a cordialidade. Assim aconteceu com José Francisco de Nascimento, o Cajazeira no bando de Lampião, que após a morte de sua companheira e também cangaceira Enedina, revelou-se num amante inveterado.

Ainda muito moço, José Francisco, ou ainda Zé de Julião (pois filho de Seu Julião e Dona Constância), enamorou-se pela bela sertaneja de nome Enedina, de larga e honrada linhagem familiar em Poço Redondo, sertão sergipano. Do namoro ao casamento foi um pulo, como se diz pelas bandas de meu sertão. Contudo, o jovem Zé de Julião, atiçado pela consciência crítica da excludente, brutal e injusta realidade social que o circundava, um dia resolveu dar a mão à sua amada e com ela tomarem os destinos catingueiros, aos braços do cangaço.

Ressalte-se que o pai do depois afamado Cajazeira, Seu Julião do Nascimento, era um dos mais ricos daquela povoação sertaneja, dono de muitas terras e rebanhos. Mas a cada chegada das forças civis ou policiais (volantes), logo o temor tomava conta de todos. Muitas eram as extorsões, os maus-tratos, as barbáries cometidas. Sob pretexto de caçar cangaceiro, o esbulho e o aviltamento praticado era contra o mundo sertanejo. E uma das maiores vítimas era Seu Julião. E foi isto que tanta revolta causou àquele espírito jovem e já cheio de rebeldia.

Pois bem. Zé de Julião e Enedina deram-se as mãos e foram ao encontro do bando de Lampião. Aceitos, deste mundo fizeram parte até a Chacina de Angico de 38, ali mesmo em Poço Redondo, na Gruta do Angico, nas proximidades das beiradas do Velho Chico. Em vexame, em situação de fuga desesperada, eis que um tiro acertou a cabeça de Enedina que os miolos espargiram pelo ar. A esposa de Cajazeira jazia morta e este, sem nada poder fazer, apenas em fuga daquele terrível cerco. De Angico voltou viúvo.

Enviuvado no Angico, mas não sozinho por muito tempo. Após a fuga do massacre, homiziou-se no município alagoano de Jirau do Ponciano, nas Alagoas (numa fazenda de José Onias de Carvalho, renomado político de Propriá, em Sergipe) onde conheceu uma mocinha chamada Nelice, cujo namoro resultou em casamento e o nascimento do filho Inácio. Em constante fuga, arribou para a Bahia e deixou a esposa e o filho na casa de seus sogros. Da Bahia retornou às terras sergipanas e no seu Poço Redondo se enamorou da irmã de sua falecida Enedina, de nome Estela Maria do Nascimento, com quem também casou no civil, tendo o casal ido morar no Rio de Janeiro. Desta união mais o nascimento de muitos filhos. Somente retornou a Poço Redondo, sozinho, após, a morte de seu pai. Daí em diante se dividiu entre o sertão e Nova Iguaçu, até decidir retornar de vez para levar adiante seu grande plano: ser prefeito de seu berço de nascimento. 

Após enveredar na vida política e ser candidato a prefeito por duas vezes (episódios estes que merecem relatos à parte), e as incansáveis perseguições provocadas pelo chamado “Roubo das Urnas”, o ex-cangaceiro procurou esconderijo na região de Serra Negra, sob a proteção do Coronel João Maria de Carvalho. E lá mais uma vez se enamorou de uma jovem chamada Djair, com quem manteve união conjugal e teve prole. Não obstante isso, Zé de Julião ainda conviveu com uma moça de Poço Redondo chamada Rita, com quem teve vários filhos, dentre os quais Anita, Neném e Elício. E também relacionamento amoroso com Julieta Gomes dos Santos (conhecida como Êta, da região poço-redondense do Jacaré e Salobinho). Com esta teve dois filhos: Venúcio e Alaíde.

Como visto, o coração do ex-cangaceiro foi amante por natureza. Em Zé de Julião sempre a chama acesa das paixões, dos relacionamentos afetivos, dos convívios amorosos. Enedina, Nelice, Estela, Djair, Rita, Julieta, e talvez mais. Ou talvez muito mais.



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