segunda-feira, 17 de setembro de 2012

FATIMA JANUÁRIO, A MULHER VAQUEIRA




Quem já foi mordido de cobra tem medo de cordão”
 
Fátima Januário, Mulher Vaqueira
 Cruz. Maria de Fátima de Carvalho (Fátima Januário), natural de Jijoca de Jericoacoara/CE, residente na comunidade praiana de Mangue Seco, onde vive com seus 9 filhos. Nasceu aos 24 de novembro de 1954, semianalfabeta, não conhece lugares distantes como Fortaleza e São Paulo. Todos os filhos nasceram em casa com a ajuda de uma parteira. Conta que quando sentia as dores do parto, quebrava vários ovos de galinha na coluna da parede, comia cru e bebia zinebra contando as horas até o menino nascer. Houve um parto de gêmeos. Nunca quis ir para o hospital alegando que lá era mais complicado, pois tinha que ficar deitada como uma cabra. Seu pai era originário do Município de Russas, sua mãe de Uruburetama e a avó, da Serra do Algodão. Fala alto e diz que ser valente é uma tradição de família que passa de geração a geração.
Começou a trabalhar aos cinco anos de idade ajudando ao seu pai nos trabalhos da roça. Sempre gostou de acompanhá-lo na lida diária, pois gostava muito de andar a cavalo. Não lembra quantas vezes caiu do cavalo Noivado (noivado é o nome do cavalo). Sedo  aprendeu a construir cercas de madeira, fazia os buracos, fixava as estacas e tercia com madeira. Confeccionava redes de tucum e tarrafas que levava para vender em Camocim, após caminhar 60 km a pé. Com o dinheiro que apurava com a venda da mercadoria comprava roupas e calçados. Desde menina que participava das festas de casamentos montada em seu cavalo. Quase não frequentou escola, conhece as letras, mas, não sabe conversar com elas. Sempre gostou de dançar e ainda hoje dança de esporas e com os arreios de cavalo no ombro. Sua maior diversão é correr em vaquejada e dançar forró. Era muito assediada pelos rapazes, mas não gostava de namorar, só queria dançar forró e montar em animais. Para as festas, contava com a companhia de seus irmãos, pois seu pai não queria outra companhia para não ter conversa. Todos iam a cavalo. Sempre gostou de andar sozinha a qualquer hora do dia ou da noite. Nestas andanças, alta hora da noite, já viu muitas coisas que diz ser do outro mundo. Quando questionada sopre o porte de armas, ela diz que sua arma são os poderes de Deus. Além de trabalhar na roça gostava de pescar de tarrafa e cortar cabelos, profissão que herdou do pai. Diz que já fez de tudo na vida para sobreviver. Quando se separou do marido passou muitas dificuldades para sustentar seus filhos que ainda estão todos solteiros. Foi vitima de um tiro de revolve e de uma paulada na cabeça que pegou 18 pontos. Durante o tempo em que esteve hospitalizada em Sobral, seus filhos pediam peixe na praia para se alimentar, pois ela só tinha deixado a água da cacimba. Quando retornou, ainda tinha bastante peixe em casa. Após se recuperar decidiu ir embora para Rondônia, mas não foi porque seu pai não concordou. Hoje, está aposentada, mas pretende continuar com os trabalhos da roça e na criação de seus animais, pois é de lá que vem o sustento para a família, pois somente o aposento não é suficiente para se manter com os filhos. Enquanto poder trabalhar não vai ficar parada, pois sempre gostou do que faz. Na captura do gado, conta com a ajuda de um amigo que derruba o boi para que ela pegue e amarrar. Fez mistério e durante a nossa conversa nunca citou o nome do amigo. Por várias vezes, a conversa foi interrompida para que Fátima Vaqueira entoa-se canções melancólicas seguidas de aboios monótonos que retratam a vida sofrida do vaqueiro. Quando se aproxima de casa emite um aboio penoso e o cavalo responde com um relincho enquanto o gado muge como quem saúda a chegada de sua dona.
Fátima Januário em seu cavalo Noivado (Foto: J. Pereira)



 Ainda sonha com um bom marido, embora acredite que não vai encontrar, pois não quer ninguém para fazê-la sofre novamente. Assevera que “quem já foi mordido de cobra tem medo de cordão”. Um de seus sonhos era possuir uma D-20 e uma moto, até que conseguiu comprar estes transportes a prestação, mas como não sabe dirigir prefere andar em seu cavalo “que é ligeiro, bom de sela, bom de campo e bom de carroça”. Após a nossa conversa, nos despedimos, ela se montou em seu cavalo Noivado, emitiu um aboio e desapareceu entre os matos, pois já havia acertado a pega de um boi junto com seu amigo.
Dr. Lima

Descrição: http://img1.blogblog.com/img/icon18_email.gifPostado por Jornal A FOLHA às 14:05

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