terça-feira, 1 de novembro de 2011

Prazer em conhecer: Lampião Aceso entrevistou o pesquisador e escritor Paulo Gastão - Parte II



Com quantos e quais personagens desta história você teve contato?

Não tenho número fixo que venha a determinar quantos personagens mantive contato. Tudo começou na minha infância/juventude pelo fato da ambientação em que nasci. Convivi com comerciantes, professores, médicos, militares, gente do povo que conheceram inúmeros cangaceiros, volantes, coiteiros e outros personagens significativos para com a história do cangaço. Aos nove anos de idade já conhecia a terra de Virgolino, de Antônio Silvino, de Félix da Mata Redonda onde eu ia caçar passarinho de baladeira, de Luiz Pedro do Retiro aonde ia aos engenhos daquela localidade tomar garapa ou adquirir a melhor porção de farinha fabricada no Nordeste.


Em segundo plano, já possuidor de conhecimentos históricos, fui registrando no meu caderno de anotações Senhor da Beleza, dona Especiosa (costureira de Lampião), Sila, Candeeiro, Maria de Juriti, Adília, Tenente João Gomes de Lira, Auricéia, Artur Ferreira (primo de Lampeão), Neco de Pautila, dona Mocinha (irmã de Lampeão), o coiteiro Pedro de Tercila e o sargento Elias que residiam em Olho d’Água do Casado, Estado de Alagoas, Vinte e Cinco, o comerciante Chiquinho Rodrigues, familiares de Jararaca – os irmãos Félix, Quitéria e outros; Silvio Bulhões, (filho de Corisco e Dadá) Dona Ermelinda, Tenente Pompeu, aos familiares de Luiz do Triangulo, Jardilina Pereira Nóbrega – Jarda (esposa de Chico Pereira e seus dois filhos Raimundo (engenheiro) e Pereira da Nóbrega (religioso), que escreveu o livro – Vingança, Não), e muitos outros personagens ligados direta ou indiretamente ao cangaço.


É uma lista rica em nomes e muito, muito extensa, trabalho de mais de 30 anos na estrada. E haja memória. Todos espalhados, inicialmente, pelas vilas de outrora, e na atualidade por uma geografia modificada pelo atrevimento dos políticos.


Sinto-me feliz em ter palmilhado os sertões de todos os estados nordestinos, onde o cangaço se fez presente, uns mais, outros menos, mas a todos visitei em busca de conhecer a história e em seguida informar o que havia tomado conhecimento.


Conheci Paulo Afonso em 1955, tendo pousada oferecida pela CHESF aos seus visitantes, na famosa Casa de Hospedes. Até então era um conglomerado de casas para hoje se tornar uma cidade extremamente aconchegante e progressista.


Qual destes contatos foi, ou foram, os mais difíceis?

Não existem contatos fáceis ou difíceis. O que na realidade existe é o pesquisador saber dar inicio a uma amizade e conservá-la indefinidamente. Por onde andei a conversa era sempre a mesma, em que o candidato a escritor ou jornalista prometia céus e terra e depois sucumbia e ninguém sabia do seu paradeiro.


É necessário saber chegar a essas pessoas e mais, saber que um dia se terá o caminho da volta. Na maioria das vezes as portas estão fechadas. Porém, tentei durante várias vezes, que representam vários anos, conhecer, que é diferente de entrevistar ou manter contato e que agora recordo da situação vivida frente ao amigo Vinte e Cinco. Foram muitos os caminhos para se chegar a esta figura séria, objetiva e sabedora do que deseja na vida. Duro, esclarecedor e exigente. Sincero e receptivo. Uma grande figura humana. Valeu a pena conhecê-lo. Poderia citar outros nomes, mas, este já me chega.


José Alves de Matos O Vinte e cinco.
Foto: acervo João de Sousa Lima 

Qual o contato que não foi possível e lhe deixou de certo modo frustrado?

No querer descobrir novos nomes que participaram do cangaço sempre estava atento. A escassez aumentava a cada um que ia surgindo. Qualquer sinal de um novo personagem acionava meus amigos na busca do desejado. Mestre Alcino Costa é o responsável por descobrir, já no fim da vida, Maria de Juriti. Residia a mesma com a família em boa casa, numa rua afastada do centro da cidade ribeirinha de Canindé do São Francisco no estado de Sergipe. Tentei durante uma manhã arrancar uma palavra dessa senhora e tudo foi em vão. Ela me olhava de olho duro, me ouvindo pedir uma oportunidade de uma pequena conversa, desde que eu apresentava uma série de argumentos para convencê-la e terminei rodando meus 1.000 quilômetros para chegar em casa sem ter conseguido uma só palavra. Poderia ter conseguido um grande depoimento, mas, infelizmente a chance foi se dissipando a cada minuto. Morreu Maria de Juriti e as minhas esperanças.


Com qual remanescente gostaria de ter conversado?

O melhor personagem para o momento teria sido aquele que não deu nenhuma entrevista ou a menor informação sobre o assunto. Este personagem elucidaria e muito os momentos mais críticos que hoje vivemos e não temos uma solução plausível. Não necessita ser homem ou mulher, soldado ou coronel, deputado ou cabeceiro, professor ou boiadeiro. A conversação que eu desejaria estaria atrelada aos subsídios que até hoje tem passado despercebidos. Foi criada uma sistemática de registro e a grande maioria simplesmente fez como rebanho de carneiro – onde um passa ou pula os outros vão atrás, com raríssimas exceções. As mudanças têm que ser criadas e adotadas para que a história tenha continuidade. Estilo papel carbono não dou valor!

Qual é o seu capítulo preferido?

 A vida nas caatingas tem que ser tratada com carinho e objetividade. Ler sobre os acontecimentos ocorridos naquelas plagas é simples, mas, para quem já viveu nos chamados ‘matos’ a diferença é brutal, inacreditável. Tive muitas oportunidades de viver nos sertões, principalmente, de Princesa Isabel e Patos de Irerê na Paraíba e Flores estado de Pernambuco. O banho de cuia, a latrina no mato, a rede em substituição a cama, a ausência de alimentos comuns das cidades, tais como: pão aguado, (na cidade denominado de francês), pão doce, bolachas de vários tipos e sabores, refrigerantes, macarrão e outros.
O café era tomado na roça tomando-se os frutos próprios da região, tais como: melancia, melão caetano - que cheira mais que qualquer perfume francês-, pinha, laranja, banana, goiaba e muitos outros. No almoço feijão de corda e carne assada; no jantar, a noite, cuscuz com leite de gado puro, angu preparado do milho com caça obtida durante o dia quando se cuidava dos animais, queijo de coalho assado preferencialmente ou queijo de manteiga. A manteiga era a tradicional manteiga de gado, nas cidades chamada manteiga de garrafa. Na época do “imbu” (Umbu) a noite se fazia uso da imbuzada e como sobremesa do almoço a saborosa geléia de imbu, maravilhosa.
Não podia faltar os banhos nos rios, riachos, açudes e lagoas. Cuidar da vacaria, enchiqueirar as miuças e encaminhar os bichos de pena para os seus respectivos poleiros. O feijão verde era debulhado em conversas sobre vaquejadas, cangaço, caçadas, cantorias e outros assuntos que são próprios dos diálogos dos sertanejos.
A ausência de luz elétrica nos levava as redes até as 8:00 horas para acordarmos com o galo cantando lá por volta das 5:00 horas da manhã. Os mais velhos contavam histórias fantásticas sobre os cangaceiros. Tornavam seus relatos cheios de momentos apavorantes tanto quanto dos monstros que viviam nos oceanos. Ninguém cochilava ou adormecia vivendo com intensidade o próprio retrato dos habitantes das caatingas.
A leitura do folheto de cordel era uma constante, pois sempre era adquirido quando se chegava a cidade em dias de feira.

 Nada de TV nem de cinema. As primeiras viagens de Paulo eram a bordo das setilhas, sextilhas, decassilabos... etc.

Não faltavam as história do rei Ricardo Coração de Leão e os Doze Pares de França e ainda era lido o Lunário Perpetuo, obra editada em Portugal, onde se buscava leitura aprazível para se conseguir condutas lá vividas e aqui adaptadas. Épocas de preparar a terra, plantar e colher eram muito bem apresentadas. Mostrava-se com muita pujança o poder dos astros e isto se coadunava com a filosofia de vida do sertanejo e seu misticismo próprio e não lapidado. Todas as noites após a janta nos dirigíamos a uma dependência da casa, chamada de camarinha, onde se encontrava vários santos, de madeira, protegidos em oratório e ali contritos rezávamos juntos homens e mulheres o terço, todos compenetrados e não se falhava uma noite sequer. A religiosidade do sertanejo é tão forte quanto o mesmo.
Viver diretamente com as comunidades sertanejas é um grande aprendizado e uma feliz oportunidade. Nenhum autor se debruçou na janela da caatinga para observar e descrever em profundidade a vida do povo sofredor nas garras dos cangaceiros e volantes. Ai reside um capítulo virgem de pesquisa objetiva e descritiva que só enobreceria a comunidade nordestina. O maior erro tem sido em se enaltecer a figura de Lampião, deixando-se ao largo o capítulo principal de toda a historiografia do cangaço – o POVO sertanejo. O povo está seguindo sua caminhada e Lampião dentro em breve será esquecido ou as descrições a seu respeito não deverão ter nenhum valor. O lado comercial reveste o personagem e o mesmo já se encontra engessado.
O conceito não é a história e sim o vil metal. Necessário se faz registrar que o cangaço ainda vive com seus últimos representantes que continuam contando fatos ocorridos ou não. O que irá ocorrer daqui a 50 anos? 

 CONTINUA...


http://limagronomiacruzce@yahoo.com.br

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