sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Maria dos Anjos

Por José Mendes Pereira

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Uma mocinha de pouco mais de 16 anos. De moreno claro, de olhos negros, cabelos longos e  pretos como a asa da graúna. Era uma verdadeira "Iracema".  Ninguém resistia o seu olhar  atraente, já imaginava coisas imorais. Além do mais, tinha umas lindas coxas. Coisa de menina bonita.  Nem parecia ser filha de um homem feioso, magro, cabeça de coco, poucos dentes naturais, e alguns havia adquirido no protético prático do bairro.  Totalmente desajeitado, como  era o seu pai, o Elesbão.

Certo dia chegara do Rio de Janeiro um militar, o João Prado, todo enfiado num uniforme do exército brasileiro. Era cearense da gema, mas desde menino que viera para Mossoró em companhia dos pais. Aqui cresceu, e daqui foi servir o exército no Rio de Janeiro. Ao ver a linda mocinha, que não havia presenciado  a rápida mudança em seu corpo, a desejou de corpo e alma.

Os pais do João Prado eram  vizinhos dos pais da Maria dos Anjos, mas as amizades entre eles eram restritas, apenas algumas vezes faziam reuniões nas calçadas.

Nesse dia o João Prado chegou a prosear com a mãe da Maria dos Anjos, a Isabel, sobre a  beleza da sua filha, chegando a  mandar um recado para ela, que fosse se arrumando que iria levá-la para Copacabana. 

Boate Copacabana, na Rua Marechal Hermes. 1969. Conforme relatos dos locais, contemporâneos daquela época, as casas noturnas como a Boate Coimbra, e outras. - telescope.blog.uol.com.br 

Nos anos setenta, uma das boates  mais falada em Mossoró era o Cassino "Copacabana", no bairro Bom Jardim, situado nas imediações do Alto do Louvor, lugar reservado para a prostituição de mulheres.

Assim que dona Isabel chegou em casa, participou a Elesbão, a brincadeira que o João Prado dissera com sua filha, que fosse se arrumando que iria levá-la para "Copacabana", e lá, ambos, iriam viver um belo romance. 

Elesbão ao ouvir a  brincadeira do João Prado, ou talvez com intenções verdadeiras, não disse nada, ficou calado, apenas engolindo o ódio que atravessava em sua garganta, sobre o desrespeito do João Prado, com a sua filha Maria dos Anjos. Ficou a imaginar que aquele sujeito metido a galã, estava pensando que iria passar a perna sobre sua filha. Ele estava totalmente enganado. Sim Senhor! Aquela filha era criada com carinho, filha única, e nada lhe faltava. Era pobre, mas filha de um senhor honrado e trabalhador. Quantas vezes saíra ao clarear do dia para o seu sofrido emprego, lá na fábrica de óleo do Aderaldo, só para dar a sua filha o que ele não tivera, quando em companhia do seu velho pai. Aquele sujeito só porque estava de uniforme do exército brasileiro, agora se sentia como se fosse um galã de cinema, o Juliano Gema, o Antonio Sthefane, o Marcos Damon... Enganara-se por completo. Sua amada filha tinha um pai para protegê-la.

Ao anoitecer, Elesbão foi até à quitanda do Valentim, também próxima ao Alto do Louvor; tomou umas quatro ou dez cachaças, não sei, e já meio tonto, foi  em casa. Pegou uma faca, mais um pedaço de mangueira grossa, enviou-os na cintura, e foi ao encontro do João Prado, que palestrava em uma das casas amigas. 

Ao chegar, perguntou ao dono da casa, o Tiago das Oiticicas, como era chamado no bairro:

- João Prado está aí, seu Tiago?

- Está - respondeu Tiago das Oiticicas.

- Chame ele por favor.

- João Prado, Elesbão quer falar com você. - Gritou  seu Tiago lá pra dentro de casa.

E lá se veio inocentemente o João Prado.

- O que deseja seu Elesbão? - Perguntou-lhe João Prado.

- João Prado, eu vim aqui porque você mandou um recado pela Isabel, para minha filha Maria dos Anjos, que fosse se arrumando que iria levá-la para o Copacabana.  Como  ela não pode vim, então eu vim para ir junto com você ao Copacabana.

E sem mais pensar, desenfiou o pedaço de mangueira da cintura, mais a faca, e a cunhou atrás do João Prado, descendo a ladeira do Alto do Louvor. E tome peia, e tome peia. 


Na carreira, as passadas do João Prado atingiam dois metros de distâncias, ultrapassando as do seu agressor. Mas à frente depararam-se com um muro de dois metros. Mas o agredido não contou conversa, saltando-o de uma vez só.  Nem precisou colocar as mãos para se apoiar e facilitar o impulso sobre o muro. Foi aí que Elesbão resolveu não arriscar pular o alto muro.

Enquanto o Elesbão corria atrás do João Prado, os amigos do Elesbão  corriam atrás dele, para que ele não realizasse o assassinato.

Todos que corriam atrás do Elesbão, gritavam:

- Não faça isso, Elesbão! Não faça isso..., pelo amor de Deus!!!

Dias depois, o João Prado retornou às pressas para  o Rio de Janeiro, e nunca mais botou os pés em Mossoró.

O Elesbão não sabia que Copacabana é uma praia no Rio de Janeiro. Ele pensava que o João Prado estava desconsiderando a sua filha, querendo levá-la para o meio da prostituição, no cassino de Mossoró, "O Copacabana".

Minhas simples histórias 

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Fonte:
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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O esculápio

Por José Mendes Pereira


Já fazia dois dias que o jovem motoqueiro chegara à região de gente desnutrida e infeliz, montado em sua velha e desarrumada lambreta, fabricada no ano de 1964, conduzindo uma bolsa a tiracolo, um chapéu de abas longas, vestido numa jaqueta azul, e enfiado ao guidão, uma sacola preta.


Ninguém sabia nada sobre a vida do motoqueiro. De onde vinha aquele sujeito feioso, que mais parecia uma ruma de ossos em movimento? Tísico, com uma deformada corcunda. Quem o era? O que queria daquele lugarejo tão paupérrimo? Os moradores já censuravam que aquele indivíduo era um fiscal do governo, um espião das coisas do Estado, ou simplesmente um delinquente sem rumo e sem pretensões para o futuro, que  havia fugido de alguma casa de saúde, para pessoas com problemas mentais.

Mas, vez por outra, o motoqueiro ia ingerir uma dose de cana no bar da freguesia, e ao chegar, era observado pela freguesia, que o observava com  rabos de olhos maldosos.

O dono do bar, querendo saber um pouco sobre a sua vida perguntou-lhe:

- Por mal pergunta se não lhe incomoda, o jovem é de onde, e faz o que na vida? 

- Sou do Pernambuco do Lampião. Terra dos homens que não medem tamanho de bigodes de macho. Sou esculápio registrado, e filho da viúva do sargento "Mão Pesada".


O comerciante encerrou ali mesmo as suas perguntas. Já deduzia que, apesar do seu corpo de caveira, aquele jovem não era boa peça. E também nunca ouvira falar nesta tal profissão, "esculápio". Achava ele que, o jovem já tinha dito tudo, um marginal de primeira classe, filho de um homem com o apelido de "Mão Pesada", era sem dúvida, um perverso, um criminoso qualquer.

Assim que o jovem lambreteiro saiu do bar, o comerciante chamou a atenção dos fregueses, que tivessem cuidado! Aquela caveira humana dissera que era esculápio, e todos ficassem de olho nele, porque não era conhecedor de tal nome "esculápio".

Na verdade, o homem mais instruído no lugarejo era ele, o dono do bar. E se ele não conhecia tal nome "esculápio", o caveira poderia ser mesmo um marginal de primeira categoria.

Assim que a notícia espalhou-se pelas pequenas ruas do lugarejo, duas beatas que rezavam terços na capela organizou logo uma procissão. Era preciso logo. Só assim o jovem esculápio sairia da vila o mais rápido possível.

Em uma das reuniões no conselho comunitário, o presidente alertou aos moradores, que o jovem lambreteiro poderia ser um assassino cruel, e que todos evitassem manter contato com ele, só assim, ele iria se sentir excluído, e desapareceria o mais rápido possível do lugar.

No momento em que acontecia a reunião no conselho comunitário, o médico que dirigia um pequeno posto de saúde, ao descer do automóvel, estava acompanhado do jovem lambreteiro. Os presentes ficaram assustados e se perguntando? Por que o médico de nome e renome se mistura com um sujeito tão feio e perigoso assim?

Entraram. O médico pediu a palavra ao presidente do conselho, pois precisava apresentar o novo funcionário do Posto de Saúde. E deu início dizendo-lhes:


- Meus amigos! Este jovem que me acompanha e que está ao meu lado esquerdo, será o novo médico de vocês nesta comunidade. Ele é um dos maiores e capacitados médicos que já apareceu no nosso Estado. Formado pela USP - Universidade de São Paulo. Espero que todos vocês  o recebam com muito carinho.

Todos ficaram de boca aberta, pois jamais esperariam que um sujeito tão feio, magro, com aspecto tuberculoso, desajeitado, sem presença física, além do mais com uma horrível corcunda, chegara a ser médico. As aparências enganam.

Esculápio significa "Médico".

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Cocota - o maior seresteiro de Mossoró

Por José Mendes Pereira

Francisco de Almeida Lopes era carinhosamente alcunhado em Mossoró por Cocota. Seresteiro de primeira categoria; amigo dos amigos, conduzia consigo uma admirável popularidade. Nasceu na cidade de Santa Luzia, e era filho do senhor  Messias Lopes de Macedo e da honrada dona Joana Almeida Lopes, e irmão dos cantores Oseas Lopes (o atual Carlos André), Hermelinda Lopes e João Batista Almeida Lopes, que artisticamente é conhecido por João Mossoró.

O seresteiro Cocota - Mossoroense

Uma jovem que era empregada doméstica dos seus pais, conduzia consigo uma paixão louca pelo seresteiro. O mais interessante, a jovem tinha um irmão ainda criança, que não se sabe o que ele havia feito contra o Cocota, fazendo com que ele o castigasse, dando-lhe uma terrível surra. A agressão do Cocota foi tão violenta que seus irmãos, juntos, quase não conseguiram arrancar a criança dos braços do agressor. Salva das violências praticadas pelo seresteiro, a criança saiu em choro, prometendo-lhe que quando crescesse iria matá-lo ou de um jeito ou de outro.

João Mossoró, Hermelinda Lopes e Carlos André

Anos após, quando os irmãos formaram o Trio Mossoró, Cocota não fazia parte do grupo, mas no auge do sucesso, e já morando no Rio de Janeiro, os irmãos resolveram levá-lo para o Rio, para tentar "carreira solo", com o apoio do Trio Mossoró.

Não se sabe se o que acontecera contra o Cocota tenha sido causado pela paixão da jovem, mas tudo indica que sim, já que ele estava de viagem pronta para juntar-se aos irmãos, que já brilhavam no mundo artístico.

Sabendo que tão cedo ele não voltaria a Mossoró, sua terra natal, é provável que ela tenha sido a idealizadora de um plano triste e doloroso.  
 

Já que o Cocota viajaria para a “cidade maravilhosa”, a jovem o convidou para fazer uma festinha em sua residência, onde lá ele cantaria as mais belas músicas que faziam sucesso na época.  Como ele era um jovem conhecido na cidade, amigo de muitos, não negou a sua solicitação, dando-lhe a palavra que à noite estaria presente em sua residência. 

Cocota era um jovem que não dispensava um bom gole, e nessa noite, bebeu vários goles a mais, chegando a ficar totalmente embriagado. É claro que a jovem sentindo a perda da sua paixão, e talvez, não se sabe, premeditou o crime, tenha lhe dado ainda uns goles a mais. Já muito embriagado ela o convidou para deitar-se, prometendo-lhe que no dia seguinte, o levaria para casa dos seus pais. Cocota concorda, e caminha para o quarto, onde lá se deitou. 

Mas o seresteiro não imaginava que a sua viagem e carreira artística estariam prestes a serem encerradas, e por má sorte ou coisa arquitetada, o Cocota estava marcado para morrer. E na noite do dia 12 de fevereiro de 1962, a criança que Cocota açoitara, que agora já era um jovem, chegou ao local da festa. Apoderado de uma tesoura, o rapaz começou a furá-lo. Foram 38 perfurações. Cocota tentou escapulir pela porta da cozinha, mas como o muro da casa da jovem era cheio de cacos de vidro, e por mais que ele tentou subir, não conseguiu se livrar da morte, caindo logo em seguida. 

Seu Messias e Dona Joana Lopes, tiveram o desprazer de ver o seu ente querido morto, com o corpo e os punhos banhados em sangue, saindo pelas perfurações feitas pela maldita tesoura e pelos cortes dos vidros. Cocota tentou se livrar da morte, fez tantos esforços para  viver, no intuito de apresentar a sua invejada profissão aos brasileiros, principalmente aos seus conterrâneos mossoroenses. Mas, infelizmente não conseguiu, calando assim e acabando com os sonhos daquele que foi o maior seresteiro da nossa cidade Mossoró. 

Esta é a praça dos seresteiros que a Prefeitura de Mossoró reservou para  o seresteiro Cocota - Faz vergonha 

Os donos do poder, desde então, nada fizeram de maior importância para homenageá-lo. Mas seus irmãos, ainda não perderam as esperanças que esse dia venha acontecer, que na Praça dos Seresteiros, seja colocado o seu busto, talhado em bronze, para apresentar às futuras gerações, que ele foi o maior seresteiro de todos os tempos em Mossoró.

Segundo o cantor Carlos André: "- O assassino foi preso, e posteriormente assassinado. A sua irmã, uns dizem que ela já morreu, outros dizem que  ainda está viva, não sabemos o certo. O sepultamento do nosso irmão Cocota, teve muita gente, mas não foi possível a nossa vinda do Rio de Janeiro. Houve julgamento, inclusive o advogado dos assassinos foi um grande amigo meu, Dr. Jaime Hipólito Dantas, pelo que lamentei muito. Ele não devia ter pegado essa questão".

 Dr. Jaime Hipólito Dantas

Carlos André concluiu: "Um dia a Praça dos Seresteiros será feita e será nossa grande homenagem ao meu irmão. Canto a música que gravei em sua homenagem, pedindo a praça, há 46 anos venho cantando, um dia a coisa acontece".

Nota: Todas as informações deste artigo foram gentilmente cedidas pelo cantor Carlos André, quando de sua visita à minha residência, em companhia do irmão João Mossoró e Kydelmir Dantas, no dia 12 de Junho de 2012.


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