Por: Marlene Anna Caleazzi
Sinhô Pereira - Foto de Cláudio Alves
No interior de Minas Gerais foi fotografado de frente pela primeira vez depois que saiu de sua terra natal, por volta de 1922, aquele que durante muito tempo teve fama de ser o terror do Nordeste: Sebastião Pereira, o Sinhô Pereira, comandante de Lampião.
Ao ouvir os boatos que Lampião, seu vizinho, amigo de infância e companheiro do início do cangaço, estaria vivo, foi categórico: “Lampião está morto, tenho certeza. Se estivesse vivo, ele me procuraria” Diante de tanta certeza, as dúvidas certamente desaparecerão, pois poucas pessoas conheceram tão bem quanto ele o Capitão Virgulino Ferreira.
A vida dos dois nordestinos lendários esteve estreitamente ligada por muitos anos, mas suas origens foram diversas. Sinhô Pereira descendente do Barão de Pajeú de Flores, fidalgo político que levou para Vila Bela, hoje, conhecida por Serra Talhada, a civilização europeia, com todos os seus requintes. Em sua casa existia boa música, bebidas finas e pratos de sofisticado estilo. Em sua fazenda, Pitombeira, ele costumava ter em enormes cômodas e arcas 300 redes de dormir, 300 travesseiros e centenas de lençóis de linho para servir aos seus hóspedes. Sinhô ostentava, tanto pelo lado materno como paterno, o que nos sertões naquela época se chamava de “fina linhagem”.
No entanto, os Pereira viviam em luta com seus primos Carvalho, desde o início do império. Existem versões de que essa luta era tão antiga que vinha de Portugal. As duas famílias mandavam matar os seus homens, de emboscada ou a descoberto, a tiro ou com arma branca.
Num desses episódios sangrentos morreu Manuel Pereira da Silva Jacobina, conhecido pelo apelido de Padre Pereira, por ter estudado em seminário. Sua filha, dona Chiquinha, matrona destemerosa, achou que a vingança não devia tardar. E, para consumá-la, convocou nada menos que seu próprio filho Luiz, apelidado Luiz Padre.
Sinhô Pereira à direita e Luiz Padre à esquerda
Luiz planejou a morte do mais pacato dos Carvalho, Eustáquio (seu próprio avô era conhecido por ser homem de paz e a idéia era olho por olho! Executante da vindita: Né Dadu Pereira. Após a morte de Eustáquio, dona Chiquinha achou que seu filho Luiz passara a correr perigo constante. Chamou, então, o sobrinho Sebastião, que vivia em sua companhia desde que ficara órfão. E como fosse bravo e conhecedor de armas, colocou-o como uma espécie de guarda-costas do filho: "-De hoje em diante, Sebastião, disse ela, você acompanhará meu filho em todas as tarefas de briga e vingança”.
Foi assim que Sebastião Pereira passou a ser o rifle vingador por excelência de sua turbulenta família. Unido ao seu primo Luiz, quatro anos mais moço, apetrechados os dois de armas e ódios, quase acabaram com os Carvalho. Juntos, incendiaram toda a região do Pajeú. Mais de 100 combates travaram com as polícias de vários Estados nordestinos, além das lutas com os Carvalho. Acabaram se transformando nos mais temíveis dos cangaceiros da época.
Entre 1920 e 1922, Sebastião já conhecido como Sinhô Pereira foi procurado por três jovens sertanejos, nascidos nas proximidades de sua casa e cujo pai trabalhava na fazenda de sua família. Os jovens eram Antonio, Virgulino e Livino. Alegavam perseguições da polícia, contavam arbitrariedades e pediam para se alistar no bando. Aceitos, passaram a obedecer cegamente a Sinhô.
Família de Lampião
Os sangrentos acontecimentos que se sucederam são do conhecimento geral. E o próprio Sinhô Pereira, hoje com 81 anos de idade, vivendo pacatamente no interior de Minas, próximo da cidade de Patos, costuma contar. Entre os fatos que ele lembra mais vivamente está um encontro sangrento numa fazenda: “Nem gosto de falar, parece até mentira. Esta luta foi das últimas que enfrentei ao lado de Lampião. Éramos 11 contra 122”.
Por volta de 1922, Padre Cícero e outros políticos se esforçaram para que Sinhô e Luiz Padre, dois rapazes bem nascidos, deixassem o cangaço para ir tentar vida nova em Goiás.
Sinhô Pereira conta: “Aceitamos a proposta e começamos a empreender a fuga, uma verdadeira operação militar. Durante quase um ano tentamos contornar as barreiras policiais, colocadas em toda a parte. Eu tinha convidado Lampião para me seguir, nessa tentativa de escapar, e ele não aceitou. Achava que o cangaço era sua vida. Viemos dar com os costados em Dianópolis, eu e Luiz Padre. Nesse lugar, passamos a ser conhecidos como os piauis. Eu, particularmente, passei a ser chamado Chico Maranhão ou Chico Piauí. O Sinhô Pereira cangaceiro estava praticamente morto. Em Dianópolis, ficamos amigos do famoso caudilho Abílio Wolney. Luiz Padre casou com uma sobrinha dele. Mas por causa do assassinato do Major José Inácio de Barros, em que fomos injustamente envolvidos, começou a haver luta violenta entre os Wolney e nós, os piauís. A nossa vida se tornou muito difícil. Então fomos embora para Anápolis. Mais tarde, sempre procurando paz, seguimos para Minas sob a proteção do coronel Farnesi Dias Maciel. Os anos foram passando. Luiz Padre morreu em Anápolis, Goiás. Na Revolução de 30, cheguei a ser comandante de um destacamento revolucionário, em Minas. Depois, vim parar neste sertão. Não gosto que digam o nome do canto em que me meti, porque quero paz. E preciso ficar com minhas lembranças".
Na pequena vila em que ele vive ninguém sabe quem foi Sinhô Pereira. Ali é conhecido simplesmente como Chico Maranhão, dono de uma farmácia e capaz de dar um bom conselho a respeito de doenças. Ao seu lado, a neta e vários bisnetos. Na farmácia de Sinhô Pereira, também funciona uma agência de correio. E foi selando cartas que encontramos Sinhô Pereira, há 50 anos oculto dos fantasmas do seu passado.
Tranquilo e ainda rijo apesar da idade, ele diz: “Muitos crimes atribuídos a Lampião não foi ele quem praticou. Existe muita lenda em torno de Virgulino. Antes de tudo, fomos vingadores de injustiças. Foi pena ele não ter me acompanhado. Ainda guardo a carta que me enviou, explicando porque queria ficar no Nordeste. Entre outras coisas, era impressionante a ajuda que o povo dava a Lampião”.
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