Por Rangel
Alves da Costa*
A cidade
inteira parou assim que surgiu o boato sobre a morte do doido. Pelos quatro
cantos o entristecimento, as faces tomadas de aflição, uma consternação
verdadeiramente tumular. Mas que doido?
Verdade é que
o boato surgiu sem ter o nome do morto. Foram espalhando que o doido morreu e
cada um ficou imaginando o doido que bem entendia. Mesmo com a dolorosa
surpresa, absolutamente ninguém ainda havia falado o nome do doido falecido.
E ao lado da
boataria, eis também uma indagação se espalhando. Mas qual doido? Como ninguém
ousava dizer o nome do morto, até porque apenas imaginava quem fosse, porém sem
nenhuma certeza, então se alastrou essa questão sem resposta.
O problema é
que a cidade era tomada de gente considerada doida. Não que fosse doido de
pedra, doido varrido, de andar nu e dizer que namora a lua ou viver como prisioneiro
pelo perigo que causava. Não.
Ali havia
doido de todo tipo, mas nenhum que demonstrasse distúrbio mental, que fosse
insano ou psicoticamente alterado. Ao menos por confirmação médica. As doidices
eram outras, muito mais pelas ações tresloucadas, malucas, chegadas à
insanidade, do que mesmo pelos transtornos apresentados.
Mas fato é que
um doido havia morrido e a cidade estava toda comovida por causa disso. Gente
chorando, gente lamentando, gente sofrendo. Mas tanta comoção em nome de quem,
qual daqueles tidos como doidos havia morrido?
Numa praça,
dois velhos conversavam acerca do ocorrido e um dizia ao outro: O prefeito era
um homem bom, mas fazia maluquice demais. Quem já viu levar o cofre da
prefeitura pro seu quarto de dormir. Por isso que uns chamavam de ladrão e
outros de doido. Prefiro dizer que o homem era doido mesmo. Mas é uma pena que
tivesse morrido.
O outro
prontamente respondeu: Aquele ladrão morreu nada. Não faz muito tempo e ele
passou por aqui num carrão. E o doido que morreu foi outro, pois ele tá vivinho
da silva e pronto pra roubar mais ainda. Mas quem teria sido mesmo esse doido
que morreu?
Numa janela,
duas amigas chorosas e de lenço à mão lamentavam em torno da morte. E uma
dizia: O padre era um safado, mas um homem bom. Se não fosse aquela doidice
dele de levar beata pra chafurdar na sacristia seria um abençoado. Mas era
doido varrido, pois sujar a casa sagrada com a carne da safadeza, e sendo ele
um homem da igreja, só mesmo sendo doido. Acho que a facilidade da carne
enfraqueceu seu juízo. Tão bom e morreu como doido. E um doido pecador.
Mas a amiga
logo negou a morte do vigário, vez que ela mesma havia se encontrado com este
ainda naquela manhã, nos escondidos da sacristia. Mas logicamente negou com
outras palavras: Mentira de quem espalhar que o vigário partiu dessa pra
melhor. Ele até que pode ser doido sim, mas continua firme e disposto como
nunca. Vai até celebrar missa pro verdadeiro doido que morreu. Por falar nisso,
quem terá sido mesmo esse doido que morreu?
Já ao
entardecer e a morte do doido ainda pairava por toda a cidade. E quanto mais o
tempo passava mais o povo parecia melancólico e entristecido. O problema era
que ninguém ainda verdadeiramente sabia qual doido havia morrido, e talvez por
isso tanto desespero. E nessa dúvida surgiam nomes e mais nomes de doidos de
toda espécie, mas que logo eram tornados vivos.
De boca, na
fofoca e na boataria, acabaram matando uns três vereadores, uns dois
fazendeiros, o dono do circo, pais e mães de família, prostitutas,
desempregados, rapazes e moças, até mesmo quem já havia morrido desde muito
tempo. Ora, na boca do povo, ali tinha doido de sobra e qualquer um podia ter
ido pro beleléu.
Nesse vai e
vem, eis que chega a hora da missa pra encomendar a alma do morto. A igreja
cheia, o padre esperando o caixão, mas como nunca chegava, segurou do microfone
e perguntou quase num grito: Afinal de contas, quem foi mesmo esse doido que
morreu que o caixão nunca chega?
Todo mundo se
olhou assustado, sem saber o que responder. Até que começou um zum-zum-zum:
Foi... foi... foi... Então o padre prosseguiu: Deixe pra lá, já que aqui todo
mundo é doido mesmo, então a missa vai servir pro primeiro de vocês que morrer.
Poeta e
cronista
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