Com o título “Dilma precisa de melhores companhias”, eis artigo do ex-ministro Ciro Gomes, secretário estadual da× Saúde, que ganhou espaços na revista× Capital desta quarta-feira.
“A presidenta precisa desinterditar o debate, chamar a inteligência
brasileira e pedir que todos deixem suas certezas na porta de entrada e,
livres de preconceitos, produzam uma ideia comovente ao País”, diz ele.Confira:
O submundo do mercado e da política não deram à reeleita× Rousseff nem 24 horas de trégua. E não haverá paz. Isso significa duas coisas neste momento: há muito pouco tempo para o novo governo
se iniciar (o calendário gregoriano pouco importa aqui) e tudo o que
ela não deve nem pode fazer, sob pena de se desconstituir muito
rapidamente, é tomar iniciativas atabalhoadas que simbolizem uma
rendição deslegitimadora a uns ou a outros. A alta dos juros básicos da economia, estabelecidos pelo× Central, na quarta-feira 29 foi péssimo sinal. Aumentar a gasolina neste contexto, fatal. Negociar com a escória que vota contra o governo na× Câmara dos Deputados, e, logo, logo, no× Senado, em seus termos e por meio da pedagogia da chantagem, será mortal.
Não
creio exagerar em nenhum desses argumentos. Dilma Rousseff só venceu as
eleições pelo fato de a maioria precária de nós, brasileiros,
perdoarmos as graves contradições de sua governança e, especialmente, de
sua condução da economia. E o fizemos por argumentos de duas ordens:
confiamos em sua boa-fé e decência pessoal, vis-à-vis a crônica de
desmandos e escândalos magnificados pelos sócios majoritários da
imoralidade pátria, especialmente na grande mídia. E, acima de tudo,
penso eu, por percebermos que, por trás de tudo, é possível enxergar que
a “turma”que Dilma de fato representa, apesar de sua mania de andar
mal-acompanhada, os valores mais importantes para o povo: o compromisso
nacional, o trabalho como bem central em uma nação civicamente sadia, o
compromisso moral com a superação da vergonhosa desigualdade que nos
aparta (de um lado, uma elite minúscula, mas aferrada a uma cultura
escravocrata, de outro, imensas maiorias excitadas com informação
globalizada de um padrão de consumo ao qual não conseguem ascender com o
pouco que evoluíram).
Não é o suficiente para sustentar um novo
governo com os problemas graves e urgentes no horizonte, mas é
suficiente para recomendar: nesses valores, e não naqueles dos
reacionários, Dilma precisa escorar-se para enfrentar a difícil tarefa
que lhe espera.
Algumas obviedades, outras nem tanto: equipe,
agenda, foco, amor ao resultado, urgências. Nada disso caracterizou o
governo que se “encerrou”. Na verdade é incrível que× Dilma
tenha escapado da derrota com a equipe (salvemos as raríssimas
exceções) inacreditável com que governou. E o problema não é a
conciliação com picaretas bem-recomendados pela “base”, enquanto a
presidenta faz, repleta de sinceridade, um discurso moralista. O pecado
do pecador é desculpável, o do pregador, nunca. Ou bem se reproduz a
moralidade FHC/lulista de que “é assim ou não se governa”, ou conheçamos
o exemplo recente de× Franco,
que governou sem conciliar com a ladroagem. Dando ao intermédio a
condição de se entender aqui, em outra linguagem, na nossa: 36 anos de
experiência me autorizam a afirmar, assim se obtém a maioria. O oposto
levaria a uma crise de legitimidade e sinceramente não sei se× Dilma teria condições de administrá-la.
Crise
mesmo não é, porém, aquela essencialmente política, embora possa ser
igualmente complexa. A crise potencialmente explosiva é a econômica. O
País tem sido administrado da mão para a boca e nossas margens se
estreitam de forma muito grave. Também aqui não creio exagerar. O ano de
2015 já será difícil se for feito tudo o que é preciso. E será pior se
nada for feito.
Alguns números para embasar as minhas
preocupações: o desequilíbrio nas contas correntes do Brasil com o
exterior é o maior da história e tende a aumentar (86 bilhões de
dólares). A balança comercial de produtos manufaturados (diferença entre
o que compramos e vendemos no mercado internacional no setor
industrial) alcança 106 bilhões de dólares. As contas fiscais se
deterioraram aceleradamente nos últimos meses e a reversão pela via
conservadora e não seletiva levará inevitavelmente à recessão.
Do
câmbio vem uma pressão inflacionária, da área fiscal, uma pressão
recessiva. Primeiro efeito: estagflação. Resultados mais graves: o
estreitamento da margem para os ganhos salariais e, no médio prazo, para
a manutenção do nível de emprego. Se acontecer, os fundamentos centrais
do novo e precário contrato político de Rousseff com a maioria será atingido.
Para
tudo há solução. Nenhuma delas mágica, acredito. Mas nenhuma produzida a
partir da prostração ideológica que caracterizou a campanha eleitoral.
Fora do trivial cardápio moralista, discutiram-se apenas as nuances de
conservadorismo.
A presidenta precisa desinterditar o debate,
chamar a inteligência brasileira e pedir que todos deixem suas certezas
na porta de entrada e, livres de preconceitos, produzam uma ideia
comovente ao País.
Uma economia política inteligente guiada pelo pragmatismo na superação
de nossos desequilíbrios. Um projeto de nação que coloque todo e
qualquer sacrifício na perspectiva de uma construção de futuro.
Não duvide: se Dilma temer os riscos e preferir as acomodações que se planejam para ela e seu tempo precário… Bem, Deus proteja o Brasil.
* Ciro Gomes. http://blog.opovo.com.br/blogdoeliomar
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