Por: José
Mendes Pereira
Meu amigo e
irmão Raimundo Feliciano:
Ainda recordo
como se fosse hoje, numa manhã ensombrada pelas nuvens, sem previsões de
chuvas, o dia em que a nossa diretora dona Caboquinha, nos chamou em sua
diretoria, e nos comunicou que aquela boa vida que nós tínhamos antes, naquela
Casa de Menores Mário Negócio, havia chegado o fim, pois nós não tínhamos mais
direito de continuarmos como internos daquela instituição,
alegando-nos a nossa maioridade, por ser uma escola que abrigava alunos
até que completasse 18 anos.
O mês era novembro, o dia, se não me foge a memória, 26, mas o ano não tem como
fugir da minha memória, foi em 1970, e neste mesmo ano, havíamos terminado os
nossos sofrimentos no TG - Tiro de Guerra em Mossoró.
Aquela notícia
de imediato era como se a gente tivesse sido atingido por uma perversa
punhalada. O que era bom antes, agora seria difícil para procurarmos um lugar
seguro, onde nós pudéssemos conviver em família. Os que ali ficaram não sabiam
bem se o nosso amanhã, iria nos dar alimentos ao redor de outros que
talvez substituíssem as nossas amizades de antes.
Lembro-me que
a nossa convivência naquela casa seria até quarta-feira, que se aproximava.
Você com seu jeito engraçado, apoderado daquele violão do Chico Pompilo, que
com ele fazíamos as nossas serenatas, pôs-se a cantar uma música de Roberto
Carlos, a qual estava sendo a mais tocada nas emissoras de rádio.
Não vou ficar
Há muito tempo
eu vivi calado
Mas agora
resolvi falar
Chegou a hora,
tem que ser agora
E com você não
posso mais ficar
Não vou ficar,
não (não, não)
Não posso mais
ficar, não, não, não
Não posso mais
ficar, não
Toda verdade
deve ser falada
E não vale
nada se enganar
Não tem mais
jeito, tudo está desfeito
E com você não
posso mais ficar
Não vou ficar,
não (não, não)
Não posso mais
ficar, não, não, não (Não, não)
Não posso mais
ficar não...
Após a nossa
saída de lá você tomou rumo aos seus familiares, e como sempre foi responsável,
trabalhou durante muitos anos com a família Negreiros, a qual tinha toda
confiança e respeito à sua pessoa, e pelo seu profissionalismo, só os deixando
quando os Negreiros mais velhos partiram para a eternidade.
Aqui funciona o Cine Caiçara, Rádio Difusora e Editora Comercial S/A.
Assim como eu
você também foi um que passou pela Editora Comercial S/A. Sei que foi por pouco
tempo, porque a sua profissão não era manusear aquele quebra-cabeças
de juntar letras por letras, para formar palavras ou conteúdos inteiros.
Eu não quis
voltar para os meus familiares porque de lá eu já tinha vindo, e a solução foi
me alojar no Sindicado da Lavoura de Mossoró, hospedagem adquirida pelo meu
pai, Pedro Nél Pereira, que era um dos membros da diretoria daquela instituição
sindical.
Pedro Nél Pereira
A primeira
noite em que dormi lá me senti como se fosse um sujeito rejeitado por Deus,
pela sociedade, pelos amigos, sem pai, sem mãe e irmãos ao meu lado. Deitei-me
e fiquei a olhar o teto, imaginando o teto que eu havia deixado para trás,
seguro, com alimentação na hora certa, roupas e calçados se eu precisasse,
acompanhado de uma porção de amigos. Eu ali sentia uma solidão que só eu sabia.
Em alguns momentos, me levantei, fui até à porta e fiquei observando os
transeuntes que àquelas horas ainda passavam para suas casas.
Transeuntes
Eu, em
segredo, pelas rótulas da porta da frente, observava aquele movimento
bastante restrito de pessoas que se deslocavam, e de repente, vinha um senhor
ocupando toda a Rua Almirante Barroso, e em suas mãos, um objeto. Vi de
imediato que era um bêbado que conduzia um cabresto, talvez para recolher um
dos seus animais. As horas já se passavam, mas eu não tinha a mínima ideia
o que os relógios da humanidade marcavam naquele momento.
diocesedemossoro.blogspot.com
Lembrei-me da matriz de Nosso Senhora da Conceição, e resolvi sair fora para
ter ideia que horas o relógio da Igreja assinalava. E vi que os enormes
ponteiros marcavam 2 horas da manhã. Retornei à rede e fiquei imaginando o
que seria de mim no dia seguinte, onde eu iria tomar o primeiro café do dia,
almoçar, e posteriormente o jantar. Mas finalmente, minutos depois eu adormeci,
só acordando quando a assistente do dentista do sindicado (Dr. João Falcão),
chegou para dar início aos seus trabalhos rotineiros.
Vivi dias e noites difíceis, alimentando-me muito mal, e se eu almoçava (na
Churrascaria do Batista, na Alberto Maranhão com o cruzamento da Almirante
Barroso), às vezes eu não jantava, por falta de dinheiro; eu ainda não era
gráfico profissional, e ganhava muito pouco. Foram dias, meses tentando me
adaptar a nova vida que eu havia ganhado.
Neste período de sofrimento eu era aluno do Ginásio Municipal, e que
muitas vezes frequentei àquela escola sem jantar, mas nunca cheguei a nenhum
dos meus amigos para contar o que estava se passando comigo. E para amenizar um
pouco a falta de alimento em minha barriga, fumaça, fumaça, e feito isso,
o que me maltratava no momento, havia desaparecido, só retornando as
mesmas crises horas depois.
Quando o meu pai me visitava no meu local de trabalho especulava-me sobre o meu
passadio, se eu estava comendo todos os dias, se eu jantava, tomava café..., se
eu estava necessitando de roupas e calçados. Mas eu o deixava sossegado, em
paz, sem aperreios, para que ele, minha mãe e meus irmãos dormissem as noites
inteiras sossegados.
O meu pai nunca fora rico, apenas era um homem que tinha um bom chiqueiro de
caprinos, mais umas cabecinhas de bovinos. Ele sempre me dizia, que se eu
estivesse necessitando de alguma coisa para tanger a vida, ele venderia alguns
bichos miúdos. Mas eu lhe dizia que eu estava muito bem, obrigado, comia
francamente, todos os dias.
Devido a minha
situação difícil em alguns momentos pensei em retornar ao campo, voltar a viver
àquela vida de camponês, trabalhando na agricultura, nos carnaubais,
acordar três horas da madrugada para fazer empilhamentos
das palhas das carnaubeiras, cuidando das criações, campeando o
minúsculo rebanho de gado que o meu pai possuía, carregando água em ancoretas
sobre o lombo de animais, ou sobre o meu próprio ombro.
Granjaceara.blogspot.com
Mas me veio o
medo de passar por covarde, fraco, sem esperanças, desprovido de fé em Deus, e
depois de imaginar tudo isto, decidi-me, tentar, valia a pena, desistir do
sofrimento não era uma boa opção. Que eu seguisse o caminho para ver aonde eu
iria chegar, do jeito que Deus havia determinado para mim.
Para tomar intimidade com esta nova vida levei muitos dias para
me acostumar, e como sempre Deus está perto de nós,
felizmente, um funcionário que trabalhava comigo na Editora
Comercial, José Nogueira, filho de Aldenor Nogueira, resolveu ir morar em
Natal, e a partir daí, fiquei assumindo o seu lugar, e passei a ganhar de
igualdade com os outros profissionais.
Maria José Florêncio, José Mendes Pereira, Lá atrás, Moacir, José Nogueira e Raimundo Costa - os dois últimos já faleceram
Sofri muito, mas tudo que passei, valeu a pena. Estudei e sou formado pela
Universidade Regional do Rio Grande do Norte - FURRN, nos dias de hoje, UERN.
Já estou aposentado, pela Secretaria de Educação e tenho quatro filhos, todos,
empregados, e tenho sete netos. Foi uma prova dada por Deus. Venci todos os
obstáculos que um ser humano tem que enfrentar para contar a sua história. Hoje
estou amparado pela divina graça do Deus todo poderoso.
Minhas Simples Histórias
Se você não gostou da minha historinha não diga a ninguém, deixe-me pegar outro.
Fonte: http://minhasimpleshistorias.blogspot.com
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