Por Roberto Junior
1927 foi o ano
em que o Cariri estremeceu com um dos maiores e mais memoráveis tiroteios que a
crônica histórica do Coronelismo Caririense pôde registrar. O ataque a casa
grade do Sitio Guaribas, em Porteiras, é até hoje um dos maiores exemplos dos
arranjos e conluios que uniam numa massa uniforme, os mandões do Cariri e os
praças que representavam a Policia Militar do Ceará, sendo esta última, não
raras vezes, utilizada como força auxiliar dos poderosos que a tudo e sobre
tudo decidiam sob a ótica do bacamarte.
Em 28 de
Janeiro de 1927, chegava a Brejo dos Santos, atual Brejo Santo, uma volante
comandada pelo então tenente, José Gonçalves Bezerra, uma dos maiores facínoras
que já circulou pelo Cariri, e que também esteve envolvido no desmonte do
Caldeirão do Beato José Lourenço, em Crato. O militar havia montado campanha
com a justificativa de que estaria em busca de Virgulino Ferreira da Silva, O
Lampião, que de fato estava na região, mas seria usado apenas como cortina de
fumaça, pois, Zé Bezerra, na verdade estaria atendendo a outras demandas, mais
especificas e que nada diziam sobre combater o afamado cangaceiro.
A primeira
missão do tenente havia sido ir até Macapá, atual Jati, em busca de Antônio
Marrocos de Carvalho, um coletor de impostos que ganhava rápido prestigio em
sua localidade, a época anexada ao município de Jardim, e que estaria
incomodando velhas lideranças politicas. Algum tempo antes, Marrocos havia sido
denunciado por essas mesmas lideranças, por ter dado abrigo a Lampião e seu
bando, o que de fato havia ocorrido, e é interessante ressaltar que as
denuncias ocorreram após duas tentativas fracassadas de assassinar o coletor.
Nêgo Marrocos, ciente do contexto desfavorável a si, explica ao cangaceiro, em
outra visita do mesmo, que não mais poderia abriga-lo em sua residência diante
das denúncias, e Virgulino, compreendendo os fatores, causas e finalidades,
recomenda a Marrocos que fizesse denuncia de sua passagem pelo local, como
tentativa de afastar de si a fama de coiteiro, que muito poderia lhe complicar.
Foi valendo-se desse argumento, que o militar conseguiu fazer com que Antônio
Marrocos o acompanhasse, pois, segundo Zé Bezerra, endossando as fileiras da
volante que buscaria Lampião, Marrocos afastaria definitivamente as
confirmações de suas atividades como aliado de Virgulino Ferreira.
Procedente de
Jardim, a volante iniciou sua marcha até o Sitio Guaribas, atual município de
Porteiras, nos primeiros minutos da madrugada de 1° de Fevereiro de 1927, tendo
como ponto intermediário o sítio Salvaterra, onde o sanguinário tenente
cumpriria mais um acordo fechado com os potentados rurais do Cariri. Como
podemos observar, Zé Bezerra havia fechado o que poderíamos chamar de “Pacote
de Pistolagem”, pois, atendendo as velhas raposas de Jardim, iria exterminar
Antônio Marrocos de Carvalho, e respondendo aos mandatos de Sebastião Salviano,
vulgo Sinhô Salviano, mataria também a Antônio Gomes Grangeiro e Francisco
Pereira de Lucena, vulgo Chico Chicote.
Antônio
Grangeiro, tempos atrás havia tido um sério desentendimento com José Franklin
de Figueiredo, por questões de terra, e Chico Chicote, em apoio a Grangeiro,
havia assassinado José Franklin, que era cunhado de Sebastião Salviano; este
último teve por ação buscar abrigo junto do coronel José Pereira Lima, maldito
Zé Pereira de Princesa, no reduto absoluto do mandão, a cidade de Princesa
Isabel, na Paraíba, com a finalidade de tramar sua vingança que foi executada
justamente na ação acima citada.
Mas voltando
ao sítio Salvaterra, a casa grande do mesmo foi invadida antes do raiar do dia
pelo troço de malfeitores da policia. Em seu interior estavam Antônio
Grangeiro, João Grangeiro (Louro Grangeiro), sobrinho do proprietário, e dois
moradores, Aprígio Temóteo de Barros e Raimundo Madeiro Barros (Mundeiro) que
foram rendidos e obrigados a marchar rumo a Guaribas junto do exército de
facínoras. Em determinado ponto da caminhada, estima Joaryvar Macedo que a
cerca de 500 metros da residência de Chico Chicote, foram os supracitado
assassinados, sofreram degola e tiveram seus corpos incinerados. O batalhão
sanguinário seguiu sua marcha, ainda mantendo Nêgo Marrocos entre seus números;
anteriormente, Marrocos, segundo algumas fontes, teria inocentemente desenhado
a planta da casa grande de Guaribas, que ele tão bem conhecia, e que era
praticamente uma fortaleza, com paredes largas e seteiras por onde se poderia
armar defesa, o que facilitou em grande soma o trabalho de Zé Bezerra e seu
bando.
Deixando o
grosso da tropa em ponto estratégico, Zé Bezerra e seu incansável braço
direito, Veríssimo Gondim, seguiram com Nêgo Marrocos, e pasmem, um sobrinho de
Chico Chicote, que serviu de guia ao troço de malfeitores, até o terreiro da
casa de seu tio. O imóvel, as 7h da manhã já estava rodeado de plena
movimentação, e o rosto conhecido de Marrocos não deu grande alerta aos
anfitriões, somente o estampido da arma do tenente Veríssimo, que com um balaço
atingiu o coletor de impostos nas costas, denunciou a trama diabólica que se
desenrolava naquele momento. A chuva de balas iniciou com carga máxima, e
Chicote em minutos viu seu reduto cercado por 70 praças e muitos “Papo Amarelo”
com o cano quente, e em seu auxilio, Chico teve inicialmente somente sua
esposa, Dona Geracina, sua filha, Josefa, seu filho, Vicente Inácio, e os
cabras, Sebastião Cancão e Mané Caipora, era o inicio do Fogo das Guaribas.
Durou 31 horas
a peleja de Chico Chicote, e nem o pequeno contingente de auxílio que veio de
Porteiras, composto por cerca de 50 pessoas, conseguiu dar vencimento nas
volantes criminosas, que ao cair da tarde do dia 1° de Fevereiro de 1927 já
haviam recebido reforços de volantes do Pernambuco e da Paraíba, assim como
também de um magote de cabras chefiados por Sinhô Salviano, que a conferiu uma
força de mais de 200 homens. Mas eram valentes os que se defendiam; Dona
Geracina e Josefa se revezavam recarregando, e com o a ajuda de uma gamela de
água, refrigerando os rifles. Chegado o dia 02, a fuzilaria continuava a todo
vapor, mas Chico, vendo um de seus cabras mortos e o cerco se fechar, sugeriu
ao filho, Vicente Inácio e ao outro companheiro, que fossem embora, e contando
somente com a ajuda da esposa e da filha, deu combate aos desditosos fardados
até as duas horas da tarde. Baleado no maxilar inferior, no braço esquerdo e
com o tiro fatal no tórax, Chicote foi encontrado de joelhos, amparado na
parede, na posição de atirar e ainda com uma bala na agulha, estava
completamente escura a sua pele do rosto, mãos e braços, por efeito das horas
de disparos por ele executados, e naquele momento Sinhô Salviano executou sua
vingança pela morte do cunhado, encravando na axila esquerda de Francisco um
punhal, configurando semelhante ferimento ao que Chico havia causado em José
Franco.
Conta-se que
na Malhada Funda, localidade ali próxima, estava Lampião, que ouvindo o
tiroteio, soube exatamente do que se tratava, mas era Chico Chicote inimigo
seu, e por isso não foi em seu socorro. Não obstante a traição de João Gomes
Lucena, sobrinho de Chico que serviu de guia aos integrantes da volante, também
nos causa estranheza a ação de Quinco Chicote, irmão do falecido e chefe de
Brejo Santo, que além de não enviar ajuda, também impediu que Isaias Arruda,
chefe de Missão Velha, e Pedro Furtado, de Milagres, enviassem seus homens para
travar batalha no Fogo das Guaribas.
É fato o
temperamento explosivo e a vida marcada por malfeitos que levou Chico Chicote,
mas a figura não ofusca a trama asquerosa que foi montada e que teve como
protagonistas homens que deveriam fazer valer a lei, mas que na realidade eram
jagunços fardados, usados como braço armado do aparelho politico de outrora,
sendo um dos maiores exemplos deste triste papel, que não raras vezes as
policias do nordeste representaram.
Terminado o
Fogo, a Casa de Guaribas sofreu um saque completo, plantações e animais foram
atacados e o cenário era desolador. O imóvel foi usado ainda por longos anos, e
a oralidade de Porteiras registra que muitos dos que ali padeceram (também
morreram 27 praças, que após dias ainda eram encontrados no meio da mata)
continuaram a vagar pela localidade e pela casa, que infelizmente foi demolida
no começo dos anos 2000.
Zé Bezerra foi
assassinado em 10 de maio de 1937, envolvido em mais um caso escabroso, o do
Caldeirão da Santa Cruz do Deserto. Veríssimo Gondim foi morto em 26 de junho
de 1932, atingido pelas costas, assim como fez com o Nêgo Marrocos, pelo
coronel Raimundo Augusto Lima, suas últimas palavras teriam sido: “Que homem
falso”.
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