Desde que o falecido deixou seu pedaço de cama, a viúva Hermenegarda se entregou aos prantos de não acabar mais. A verdade é que chorava noite e dia, dia e noite, misturando num só lacrimejar o dia e a noite. Seu desespero só acabou quando um gatinho apareceu em sua vida. O bichano de rua, de pelo eriçado e dengoso, miou certa feita na sala da viúva e de lá nunca mais saiu. Passou a ser criado como uma pessoa verdadeiramente importante na sua solitária vida. Tão importante que com ela dividia a mesma cama, o mesmo banho, tudo. Era beijo pra cá, beijo pra lá, e o gatinho com aquele miado safado de não ter explicação para tanto deliciamento.
Ou teria? Mas certa feita o bichano se engasgou com um osso de frango especialmente preparado para ele e num instante bateu as botas. Morreu o gatinho da viúva Hermenegarda. E foi um chororô de não acabar, dizem até que a viúva chorava mais que no momento de despedida de seu falecido esposo. Quando a casa se encheu de amigos e vizinhos para a despedida do gatinho, num funeral como de gente importante, logo começaram as conversinhas das más línguas. Enquanto a mulher chorava ao pé da caixa fúnebre do bichano, uma dizia: Aí, viúva duas vezes, do esposo e do gato amante. Já outra dizia: Se a língua desse gato falasse ia dizer coisas de arrepiar. Enquanto outra segredava: Velha mais safada, dormindo com o gato e colocando o bichano entre as pernas como se macho fosse. Ao que a outra balbuciou: E dizem que até dava conta do recado, pois a velha amanhecia feliz e sorridente. E assim foi a despedida do gatinho da viúva Hermenegarda.
Nos dias seguintes, ao invés de levar flores, velas e orações, ao falecido esposo, a velha Hermenegarda era avistada aos prantos ao lado do túmulo do gatinho. Aliás, pela rua surgiu um boato que a velha havia pagado uma fortuna para que o bichano fosse enterrado no cemitério municipal, e não nos monturos ou no meio do mato. Mas fato é que a mulher passava horas e mais horas ao lado daquele estranho túmulo, ora em choro de quase desmaiar, ora conversando coisas sem pé nem cabeça: Meu frufru, meu frufruzinho, o que agora será de mim sem o seu pelo eriçado do meu ladinho? Ou ainda: Nunca mais eu vou ouvir o seu miado, o seu rosnar, o seu gemido safado, serei apenas uma velha sem uma linguinha a acariciar minhas noites solitárias e vazias.
E fato muito estranho passou a acontecer depois. Chorosa, aflita, de véu negro à cabeça, a velha Hermenegarda passou a perambular pelos becos atrás de outro gatinho. No dia que encontrou, eis que o pior aconteceu. Na manhã seguinte amanheceu morta, porém sorridente e de pernas abertas, tendo o gato safado do lado da cama. Cena mais que esquisita: uma cama, um gato todo assanhado, uma velha morta de pernas abertas e no seu semblante aquele sorriso de ter morrido de algum tipo de desconhecido prazer. Ou conhecido demais, porém mantido em segredo assim que a porta foi aberta por uma parenta.
Quando essa história se espalhou pela cidade, não faltaram as mais estapafúrdias insinuações. Diziam que a lambida do gato havia sido tão bem dada que a velha não suportou. Diziam também que naquela idade ela não receberia mais lambida senão de gato safado. Chegaram até a dizer - e que coisa mais absurda - que a intenção do bichano era que a velha morresse mesmo para ficar com toda sua herança. E uma conversa mais absurda ainda: O gato encontrado na cama não era um novo amante da viúva, mas o fantasma do outro gato, aquele que havia morrido engasgado, que havia retornado das profundezas para acabar com a vida daquela que não havia tido o cuidado de tirar os ossos do frango antes de servir.
Coisas de não acreditar. Mas assim aconteceu. E também acontece que depois que a noite se fecha, lá pelas bandas de onde está enterrada a velha, uma gataria danada se junta perto do túmulo para miados chorosos, lúgubres e fantasmagóricos. Cruz credo!
Escritor
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