quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ARTIGO: MADEIRA-MAMORÉ, A FERROVIA DO DIABO

Qua, 01 de Fevereiro de 2012 12:07    | Imprimir |
Artigo: Madeira-Mamoré: Ferrovia do Diabo (Capítulo VI) - Hiram Reis e Silva
Não tenho confiança nas vantagens presentes ou futuras da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré, tais como as consideram os seus apologistas. Acredito, ao contrário, que apenas servirá a uma região limitada, pobre e sem recursos para compensar os sacrifícios das vidas e dos capitais avultados que a sua construção e conservação exigem.
(Alexandre Haag)
Nomeação de Pinkas
O Ministro da Agricultura ao nomear Pinkas que discordara do seu antigo chefe de Comissão comete um procedimento anti-ético e anti-profissional arraigado aos nossos dirigentes desde os tempos não republicanos. Seu ato prestigia Pinkas ao mesmo tempo em que coloca em cheque a capacidade profissional e o discernimento de Morsing. A Comissão Pinkas tinha a finalidade de corroborar a ideia pré-concebida do Ministro de que as plantas elaboradas pela Public Works teriam sido forjadas. O Ministro cuidou de que a nova Comissão tivesse mais facilidades que a anterior, solicitando um crédito de 300:000$000 além do apoio que seria prestado pelo navio de guerra “Afonso Celso” que permaneceria em Santo Antônio à disposição da Comissão.
Comissão Pinkas
Júlio Pinkas parte do Rio de Janeiro para Manaus, no dia 10.03.1884, aonde chegou, em 01.04.1884, assumindo a Comissão dois dias depois. No dia 12 parte para Santo Antônio levando além dos engenheiros, trabalhadores e empreiteiros um destacamento da armada imperial. Em Santo Antônio organiza cinco turmas de engenharia cada uma com 21 homens, estas turmas receberiam um batelão e víveres para três meses. No Caldeirão do Inferno parte do pessoal se recusou a continuar e Pinkas reorganizou as equipes agora formadas por quatro turmas. A primeira Turma foi instalada, no dia 20.06.1884, junto à Cachoeira do Jirau, a segunda junto à Cachoeira dos Três Irmãos, a terceira no Ribeirão, e a quarta mais adiante. O estudo seria feito por seções que seriam depois agrupadas em um só projeto, com as respectivas plantas.
Controverso Relatório do Ministro da Agricultura
O Ministro da Agricultura apresenta, no dia 07.05.1884, à Câmara dos Deputados um relatório sobre a Comissão Morsing no qual critica a planta da Public Works refutando, portanto, abertamente a conclusão de Carlos Alberto Morsing afirmando:
Trabalho tão deficiente não poderia servir para determinar, já o desenvolvimento da Ferrovia do Madeira e Mamoré, já o seu orçamento; o pensamento manifestado pelo Poder Legislativo, ao fixar o crédito destinado a tais estudos, ficaria em grande parte burlado se qualquer deliberação definitiva acerca da construção da estrada houvesse de ser tomada sobre dados meramente conjeturais, quais são os existentes quanto ao desenvolvimento da linha além da localidade denominada Jirau.
Morsing, no dia 19.05.1884, solicita que o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro se manifeste sobre sua decisão de adotar como verdadeira a planta da Public Works. A entidade máxima dos engenheiros do Brasil resolve nomear uma Comissão de Notáveis, composta por nove engenheiros, no dia 16.07.1884, apresenta seu relatório favorável a Morsing nos seguintes termos:
A vista do exame que instituíram os documentos referidos, e das informações fornecidas pelo Chefe da Comissão de Estudos, incontestavelmente um dos mais hábeis e experimentados sobre questões de Estradas de Ferro, são os abaixo assinados de parecer que os trabalhos, apresentados ao Clube de Engenharia pelo referido ex-Chefe, oferecem, como estudos preliminares, subido valor técnico e satisfazem o fim para que foram organizados.
O próprio Governo Imperial resolvera nomear a sua Comissão de Notáveis formada pelos engenheiros Francisco Bicalho, Monteiro de Barros e o Conselheiro Sobragy, os quais julgaram suficientes os estudos de Morsing para os fins que se tinha em vista.
Comissão Pinkas e a Ordem da Rosa
Aguardava as informações para então travar com o nobre Ministro o combate que se julga com o direito de ferir em defesa dos seus velhos companheiros da Escola Politécnica. (Deputado Sinimbu Jr.)
Júlio Pinkas retorna a Manaus, no dia 10.09.1884, surpreendentemente, em apenas 77 dias, as turmas haviam levantado 200 quilômetros da futura Estrada de Ferro em plena selva. O Ministro da Agricultura, numa clara afronta aos engenheiros brasileiros, mesmo sem conhecer o resultado da Comissão Pinkas, pois as plantas ainda estavam sendo elaboradas, resolve, no dia 25.04.1885, agraciar toda a Comissão Pinkas com a Ordem da Rosa.
No dia 29.04.1885, o Ministro da Agricultura compareceu a uma tumultuada sessão na Câmara dos Deputados. O Deputado Sinimbu Jr. atacava a conduta abjeta do Ministro que desprezara deliberadamente os membros da Comissão Morsing que não mereceram por parte dele uma palavra elogiosa sequer. O Deputado apresentou, ainda, um requerimento dirigido ao Ministro solicitando que informasse se já estavam concluídos os estudos da Estrada, quanto se gastara, etc.
Moção do Clube de Engenharia
No dia 01.05.1884, no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, o Engenheiro Amarílio Olinda de Vasconcelos, funcionário do Ministério da Agricultura, propõe, corajosamente, ao plenário a seguinte moção, que foi aprovada por unanimidade:
O Clube de Engenharia, conhecendo o ato recente do Governo Imperial, que galardoou os serviços prestados pela 2ª Comissão de estudos da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré em complemento aos trabalhos não menos árduos e relevantes que a precederam e foram realizados com a maior dedicação, lástima que não fossem igualmente considerados os esforços excepcionais, os resultados obtidos e os sacrifícios pessoais da 1ª Comissão, dirigido pelo engenheiro Carlos Alberto Morsing.
No dia 02.05.1884, o Ministro da Agricultura exonera dos quadros do Ministério o
Engenheiro Amarílio Olinda de Vasconcelos, “a bem do serviço público” procurando, ainda, sem sucesso manchar-lhe a reputação. Em 30.05.1885, a “Revista de Estradas de Ferro”, dirigida pelo Engenheiro Francisco Picanço estampa no seu editorial:
Felizmente no Brasil, a vontade absoluta de um homem, seja ele Governo ou outra sumidade, não consegue abalar reputações firmadas em honrosos precedentes.
Discurso do Senador Henrique D’Ávila
Henrique D’Ávila, no dia 06.06.1885, no Senado do Império, faz um pronunciamento criticando a rebelião de Engenheiros Brasileiros contra seu Chefe francês o Engenheiro Révy, enviados pelo Ministério da Agricultura para a construção de açudes no Ceará.
Deve-se acrescentar certo ciúme muito mal entendido contra os engenheiros estrangeiros. A engenharia nacional está certamente muito habilitada, ninguém duvida, em matéria de viação férrea; mas não assim em trabalhos hidráulicos, nos quais se tem cometido verdadeiros horrores: que o diga quem tem acompanhado a construção do célebre reservatório do Pedregulho e a não menos famosa Barra do Rio Grande do Sul. E por infundados ciúmes move-se guerra contra profissionais distintos que vêm prestar real serviço ao nosso país.
Em 30.06.1885, a “Revista de Estradas de Ferro”, afirma peremptoriamente no editorial que o Senador Henrique D’Ávila se enganara e que o Engenheiro francês Révy era um incompetente. A Revista faz ainda questão de listar os engenheiros estrangeiros que qualifica como notáveis e que eram muito respeitados pelos colegas brasileiros. Nesta relação aparece o nome de Morsing seguido do seguinte comentário:
Carlos Alberto Morsing não nasceu no Brasil; e nem por isso deixa de gozar a estima e o conceito a que tem jus pelos seus méritos incontestáveis.
A Revista não menciona o nome do “Comendador” Júlio Pinkas, demonstrando a tensão que existia entre o Governo Imperial e a Classe dos Engenheiros.
José Nebrer acusa Júlio Pinkas
Enfim, a tal estaca de Guajará-Mirim tem estado encantada: ainda não apareceu quem queira tomar a inteira responsabilidade de a ter fincado; parece que o espírito maligno meteu-se nesta estaca (...). (José Nebrer)
Em Setembro de 1885, quase um ano depois de encerrados os trabalhos da Comissão Pinkas, é apresentado o projeto e as plantas da ferrovia. O Sr. José Nebrer, que trabalhou como desenhista e auxiliar técnico da Comissão, afirma que grande parte do projeto fora forjado no escritório de engenharia.
Na edição do “Jornal do Commercio”, de 25.09.1885, o Sr. José Nebrer publica um “a pedido” endereçado “à Sua Majestade o Imperador, à Sua Excelência o Sr. Ministro da Agricultura, e ao público, com especialidade à classe dos engenheiros” dizendo:
sou oficial, 1° Tenente do exército austríaco no qual servi por muitos anos, sendo distinguido com a nomeação de Cavaleiro, Ritter, da Coroa de Ferro da Lombardia Austríaca, e com duas medalhas de campanha ganhas por ter combatido na batalha de Solferino, em 1859, e na de Custosa, em 1866.
Servi nesta Comissão como desenhista e auxiliar técnico e nessa qualidade fui designado para servir na 4ª Turma que tinha de correr a linha de exploração desde o Ribeirão até Guajará-Mirim. Prestei nesta turma serviços sérios e aproveitáveis à Comissão, posso mesmo asseverar que do pessoal técnico ninguém prestara melhores; pois fiz o nivelamento durante seis dias, tendo sido depois dispensado desse serviço com a ordem de jogar ao rio as cadernetas, as quais acham-se ainda em meu poder e as entregarei ao Governo quando me forem exigidas.
No escritório da turma fui encarregado de forjar as cadernetas de nivelamento, etc. Enfim, o que se passou nessa turma acha-se descrito na carta que dirigi ao Sr. Pinkas e da qual abaixo publico os trechos que são de interesse para o Governo Imperial e para o público.
Comissão Morsing x Comissão Júlio Pinkas
Em 1912, quando a construção da Estrada de Ferro foi concluída ela tinha 364 km de extensão, ou seja, cerca de 2 quilômetros a mais do que o Projeto Morsing, provando que a planta da Public Works estava correta e reabilitando, definitivamente, a memória do engenheiro Morsing. O ponto inicial também foi o especificado por Morsing.
Livro
O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link: http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false.
(*) Hiram Reis e Silva é Coronel de Engenharia, professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS), acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB), membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS) e colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional. Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br. E–mail: hiramrs@terra.com.br
 
 
 
Postado por: Dr. Lima
Cruz/CE

2 comentários:

  1. Isso me deixa muito satisfeito, em ver o senhor sempre postando

    Parabéns

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  2. Meu caro José Mendes,
    Muito obrigado pela mensagem e não deixe de fazer suas postagnes. Precisamos de um blog bem informativo e cultural. Algumas mensagens não foram postadas porque não consico passar. Acusa erros.

    Abraços,

    Dr. Lima
    Um Potyguar em Teras Alencarinas

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