Por: José Mendes Pereira
João Cambraia era o seu apelido. Para falar a verdade eu nem sei o seu nome de batismo. Primo segundo de minha mãe, Antonia Mendes Pereira. Astucioso todo e desonesto até o sorriso. O que os olhos viam, as mãos pegavam. Ladrão de quinta classe, ou quem sabe, de sexta, sétima..., principalmente de galinha.
Nesse tempo em que ele frequentava à casa da minha mãe, eu ainda era criança, talvez dez, onze... anos.
João Cambraia vivia mais preso do que solto, por pequenos roubos. Quando se livrava da cadeia de Mossoró, apanhava o velho e cansado pinga-pinga, e se mandava para a capital de Natal, e lá praticava as mesmas desonestidades.
Quando os poucos moradores da “Barrinha” sabiam que o João Cambraia estava no pedaço, cuidavam de esconder valores e tudo de mais importância. João Cambraia não merecia confiança; aonde chegava era necessário um vigia para acompanhá-lo, pois ele roubava até saco de esterco, só para ter o prazer de furtar.
Certo dia, era um domingo, mais ou menos seis hora da manhã, chegou o João Cambraia em minha casa, afirmando a minha mãe que aquela vida de roubos havia deixado. Todo metido num uniforme de sargento; cabelo à moda militar, e, como prêmio, dizia ele, havia recebido da polícia militar a patente de “sargento”.
- Toinha - era como ele chamava a minha mãe - aquela vida de malandragem, graças a Deus - dizia colocando as mãos postas para o céu - eu deixei, e de agora em diante, prima, você não vai mais passar vergonha por mim. Sou sargento da polícia – afirmava retirando uma identidade com a sua foto.
- Felicidade para você, João! E que Deus conserve a sua patente de sargento.
Durante o dia, ninguém mais fez vigilância a João Cambraia. Também pudera! Sargento da polícia. Sim senhor! Para que mais acompanhar uma autoridade? Um homem que prende os delinquentes, os marginais? Ora! Um homem que agora era sargento, todo metido num uniforme, com um gorro meio pendido para um dos lados, e um emblema distinguindo a sua patente?
E foi-se o dia.
Ao anoitecer, João Cambraia apoderou-se de uma rede, armou-a sob o alpendre, só ouvindo os conselhos das pessoas que costumeiramente frequentavam a casa de meu pai. Ali, João Cambraia só ouviu elogios, pela sua boa vontade de ter deixado aquela vida, de nunca mais está trancafiado; ao contrário, agora seria ele quem iria prender, açoitar, judiar até o réu confessar o seu erro... Cada conselho, uma porção de aplausos surgia no alpendre. Elogios. Aplausos. E não?
O meu pai fora o primeiro no lugarejo a comprar um rádio AM-FM, de duas faixas, “ABC”, feito de madeira de boa qualidade. Apesar do atraso da nação, era lindo para época. Muito bem fabricado. Havia vendido uma porção de bodes para ser possuidor daquele comunicador.
Já havia se passado a voz do Brasil, e o rádio, além da presença de João Cambraia, foi um dos divertimentos aos presentes. Ouvindo o Bazar da Alegria, apresentado pelo saudoso Aldenor Nogueira.
Pouco tempo, um aviso. O locutor anunciava o seguinte:
"Atenção população de Mossoró! Quem souber o paradeiro de João Cambraia, por favor comunique ao comando geral da polícia militar, em Mossoró, pois o mesmo furtou o uniforme do sargento Delmiro em Natal”...
Ali, os presentes caíram de vez. Tanto elogios perdidos. Mas o João Cambraia foi esperto, afirmando ele que era brincadeira da emissora, pois um dos locutores já havia lhe comunicado. E volta-se a acreditar no João Cambraia.
A conversa entre a vizinhança continuou.
Daí a pouco, João Cambraia se levantou da rede, e saiu se escorregando em busca da cozinha.
Minutos depois. E o João Cambraia? Que João Cambraia que nada! Entrou nas matas. Adeus Toinha! Nunca mais minha mãe teve o prazer de ver João Cambraia.
João Cambraia foi morto em Natal, quando tentava roubar uma residência. O dono da casa acordou, sentiu o chiado de telhas, mirou e atirou, descendo o infeliz já morto.
Minhas simples histórias
Extraído do "blog do Mendes & Mendes"
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