domingo, 28 de agosto de 2011

MANOEL GONÇALVES DE ABRANTES – BIOGRAFIA DE UM LÍDER DO SERTÃO PARAIBANO


By Rostand Medeiros


Autora – Maria Nestorina Dantas Gonçalves de Abrantes.

Nasceu Manoel Gonçalves de Abrantes em 11.11.1889 no distrito do Lastro, pertencente ao município de Sousa-Pb, filho primogênito de uma prole de onze filhos, do pequeno agricultor e pecuarista João Gonçalves dos Santos e de dona Maria de Abrantes Ferreira, ambos de origem portuguesa, cujos antepassados foram pioneiros na colonização do Vale do Rio do Peixe.

Manoel Gonçalves de Abrantes

Faleceu o ilustre sousense em 09.11.1973, na cidade de Sousa-Pb, em virtude de complicações decorrentes da doença de Alzheimer.
Era proprietário rural, dedicando-se à criação de gado, plantação de algodão, cana de açúcar e de outros gêneros alimentícios. Possuía em suas fazendas muitos engenhos, onde produzia raspaduras e outros derivados da cana de açúcar. Na adolescência estudou no “Ateneu Santanense”, em Santana dos Matos, no vizinho Estado do Rio Grande do Norte, sob a orientação do Padre Lúcio Gambarra, porém, por contingências políticas e familiares, não completou os seus estudos, interrompendo-os na quinta série do ensino fundamental.
Sua liderança natural aflorou em diversas ocasiões, notadamente na defesa de seus patrícios, na conciliação de conflitos de terra. Possuía o respeito, ímpeto e arrojo que se destacaram nos sertões da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, chamado que era para dirimir conflitos e defender sua terra. Sua fidalguia, liderança e trato político o distinguiu entre outras lideranças e apesar de não possuir a patente, foi alcunhado de “Coronel” Manoel Gonçalves. Nunca foi subserviente, tratava os chefes políticos como igual. Homem que, apesar de valente, era conciliador. Sua palavra era honrada e ai daqueles que ousavam desafiá-lo. Possuía sua própria “tropa de proteção”, o que era normal e aceitável nos sertões nordestinos, onde os bandos denominados “cangaceiros” aterrorizavam a população e o poder público era incipiente naquelas plagas. Extremamente vaidoso, vestia-se com ternos de linho e casimira inglesa, chapéu de abas curtas, bengala, botas ou sapatos sempre impecáveis, como podemos notar em fotos de acervo familiar. Sua vida, ainda hoje, é motivo de curiosidade de várias pessoas, sendo que alguns destes sempre procuram a família para se inteirarem dos feitos do famoso Coronel, tendo neto, Dr. José de Abrantes Gadelha, escrito o livro  “Sangue, Terra e Pó” sobre fatos da vida de Manoel Gonçalves de Abrantes e outros pesquisadores se deslocam até o sertão para colherem dados sobre o mesmo com o intuito de produzirem documentários.

                                                                               
Manoel Gonçalves e sua esposa

Ingressou na política numa contingência natural, ao lado de outros amigos das famílias de prestígio local, tais como os Mariz, os Oliveira, os Sarmento, os Gomes de Sá, os Pires de Sá, os Gadelha. Desfrutou de prestígio político ante os Governos de João Pessoa, de Antenor Navarro, Oswaldo Trigueiro e Argemiro de Figueiredo. Sofreu perseguições políticas no governo de Rui Carneiro, de1940 a1945. Em 1954 foi eleito Deputado Estadual, pela legenda da UDN, colocando seus filhos Augusto, Romeu e João Gonçalves de Abrantes, na política, para continuação de suas tradições. Augusto Gonçalves de Abrantes, médico, eleito Prefeito de Sousa, mais tarde suplente de Senador da República de Argemiro Figueiredo e Secretário de Saúde do Estado da Paraíba; Romeu Gonçalves de Abrantes, eleito Deputado Estadual, mais tarde fora cassado pela Revolução de 1964; João Gonçalves de Abrantes, várias vezes eleito Vereador, para a Câmara Municipal de Sousa.  Foi ainda Manoel Gonçalves de Abrantes eleito Prefeito do lugar onde nasceu: o Lastro, transformada em cidade, em 1963. Seu palco não era a tribuna da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba. Manoel Gonçalves não era um tribuno, um orador, no sentido mais peculiar da palavra. A política que o conduzia era aquela dos interesses mais importantes para a sua gente: a defesa do solo, da agricultura, da saúde, das terras produtivas e esta se faziam nos bastidores, nas alianças partidárias. O seu sonho maior foi batalhar para levar para Sousa o Hospital Regional, que hoje leva o seu nome.
Herdeiros de suas tradições políticas, alguns de seus netos e até bisnetos, deram e dá continuidade ao nome e tradições do velho líder político dos sertões nordestinos, tais como John Johnson Dantas Gonçalves de Abrantes, advogado, grande orador, que exerceu cargos públicos relevantes e hoje atua como um dos maiores especialistasem Direito Eleitoraldo país, que divide com seu filho Edward Johnson uma das mais prestigiadas bancas advocatícia do Estado da Paraíba; José de Abrantes Gadelha, advogado, escritor, Defensor Público, duas vezes prefeito da cidade do Lastro – PB; Atualmente a bisneta de Manoel Gonçalves de Abrantes, Isabelle Dantas de Abrantes Diniz, filha de Johnson Abrantes, advogada e vice-prefeita do Lastro, abraçou os ideais do seu ilustre antepassado, iniciando uma nova etapa na vida pública do nosso Estado.

Fazenda Concórdia em 1924, lar de Manoel Gonçalves. 
Zona rural do atual município do Lastro, Paraíba. 

Além dos filhos, Manoel Gonçalves de Abrantes lançou na política o seu genro Nozinho Gonçalves, que foi vice-prefeito e prefeito de Sousa, tendo exercido com muita competência e reconhecimento da população sousense, aqueles cargos públicos. Outros membros da família Gonçalves de Abrantes se destacaram e se destacam até hoje no cenário local e nacional, como pessoas íntegras, profissionais de sucesso e liderança em seus setores, sendo reconhecidos como integrantes de uma das famílias mais conceituadas e tradicionais da Paraíba.
Este foi o legado de Manoel Gonçalves de Abrantes. Citando José de Abrantes Gadelha no final do seu livro “Sangue, Terra e Pó”:
“… depois de haver-nos honrado dignamente, e a própria terra ou o sertão vicejante, com sua existência, vez que, o preço do SANGUE derramado, jorrou e floresceu novas vidas ao regar a TERRA, para mais tarde, através da morte, metamorfoseando-a, transformar o PÓ, que serve, talvez, de leito aos ínvios caminhos e estradas, muitas vezes percorridas e esquecidas”.

Um adendo do autor deste Blog – 

Sempre me chamou atenção durante minhas viagens de pesquisa sobre o cangaço pelos sertões do Rio Grande do Norte e da Paraíba, quando estou na área que abrange desde a cidade de Alexandria (RN), até Uiraúna (PB), em meio às inúmeras entrevistas que por lá realizei,  a presença quase constante do nome do fazendeiro Manoel Gonçalves.
Quando em 2010 conclui a minha pesquisa para o SEBRAE-RN, sobre o caminho percorrido por Lampião no Rio Grande do Norte, quando me encontrava nas cercanias da Serra de Martins, muito distante da cidade do Lastro, o nome de Manoel Gonçalves foi repetido. Até mesmo na Fazenda Trigueiro, em Pereiro, no estado do Ceará, soube que Manoel Gonçalves mantinha com a família Diógenes, dona desta antiguíssima gleba, negócios e laços de amizade.
Percebi que Manoel Gonçalves deixou na memória dos sertanejos uma enorme áurea de respeito, de ser um homem justo, decidido e lutador. Mas o interessante é que mesmo sendo ele um membro da poderosa elite agraria sertaneja da região, possuidor de muito poder em terras, armas e homens, essa memória não vem acompanhada de temor, do medo de simplesmente pronunciar o seu nome, de fatos desabonadores na sua história de vida e nem de exemplos de crueldade gratuita. Bem diferente do que ouvi sobre a história de vida de outros homens poderosos deste nosso sertão.  


Agradeço a amiga Maria Nestorina Dantas Gonçalves de Abrantes pela lembrança de enviar a biografia de Manoel Gonçalves e aos seus parentes, Alberto Júnior e Augusto Abrantes, pelo privilégio em compartilhar as memórias do seu antepassado.


Todos os direitos reservados



É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com
http://limacruzce@yahoo.com.br

REVENDO VÍDEOS


Conheça a história do cangaço e as duas faces de Lampião

Você perdeu a entrevista  de


Frederico Pernambucano de Melo, em novembro de 2010? Se perdeu, assista agora. Vídeo com duração de 24:01.


Comandados por Lampião, os cangaceiros armados invadiam cidades, vilas e fazendas. Em contraste ao lado sanguinário, ele tinha habilidades com a máquina de costura.

 

O repórter Francisco José conta a história do cangaço e as duas faces de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião: o homem sanguinário do sertão e ao mesmo tempo o costureiro, que fazia bordados. Conheça o relacionamento do rei do cangaço com os políticos e personalidades da região, a vida das mulheres em meio à caatinga e a cultura própria criada pelos cangaceiros.



G1 GLOBONEWS

Em caso de problemas com o vídeo da Globo assista pelo Youtube. 


Extraído do Blog do Mendes & Mendes
para o blog do Dr. Lima


sábado, 27 de agosto de 2011

O esquecido filme de Glauber Rocha sobre Lampião

Por: Rostand Medeiros

             
Na década de 1950 do século passado, quando a televisão ainda não possuía a atual massificação, a verdadeira “janela para o mundo” que os brasileiros vislumbravam naquela época estavam nas salas dos cinemas. Além dos açucarados musicais de Hollywood, a plateia nacional assistia as produções das empresas cinematográficas brasileiras Vera Cruz (São Paulo) e Atlântida (Rio de Janeiro).
            
Apesar de algumas tentativas de se trabalhar com temas brasileiros mais sérios, principalmente a Companhia Atlântida parte para as comédias de costume, de forte apelo popular, conhecidas como Chanchadas, que utilizava como atores figuras conhecidas dos programas de rádio.
              
Nesta mesma época aportava nas salas de cinemas das grandes cidades brasileiras, filmes da corrente artística do Neorrealismo desenvolvido na Itália. Totalmente diferentes dos musicais americanos e das Chanchadas da Atlântida, os filmes do Neorrealismo italiano buscavam representar de forma objetiva a realidade social e econômica daquele país europeu no período do pós-guerra. Havia nestas películas um forte comprometimento político, onde muitas vezes os temas representavam pessoas menos favorecidas, vivendo em ambientes onde predominava uma grande injustiça social, sem perspectivas futuras e muitas frustações na busca por dias melhores.
              
Para muitos dos novos diretores de cinema no Brasil, esta forma desenvolvida pelos cineastas italianos mostrou novas perspectivas de desenvolver sua arte, realizando um cinema que mostrasse a realidade do verdadeiro Brasil, com mais substância e desenvolvido a baixo custo.
              
Tem início uma nova etapa na história do cinema brasileiro, que ficará conhecido como Cinema Novo. Não havia mais espaço para películas suntuosas e nenhum espaço para os devaneios das Chanchadas. Filmes como Rio 40 graus, e Rio, Zona Norte, ambos de Nelson Pereira dos Santos, mostrando a dura realidade das favelas cariocas, estouram no cenário nacional.

Nelson Pereira dos Santos

O Cineasta de Vitória da Conquista

Em meio a estas mudanças um jovem baiano de Vitória da Conquista, chamado Glauber de Andrade Rocha, vem fazer parte deste novo movimento do cinema tupiniquim. Conhecido pela frase “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, não se discute a importância deste cineasta dentro do Cinema Novo, principalmente no tocante a sua genialidade.

Glauber Rocha

Na filmografia de Glauber Rocha, duas de suas principais obras tinham contextos ligados a temática do cangaço e foram consagrados pela crítica internacional. Estou falando das películas Deus e o diabo na terra do sol (1964) e Dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969).
            
Mas como pessoa que assistiu a estes clássicos e outras obras de Glauber Rocha, estranhava o fato deste cineasta não ter trabalhado através de sua arte a figura maior deste movimento de banditismo, Virgulino Ferreira da Silva. Nunca compreendi o fato deste diretor não haver retratado aspectos da vida de Lampião, coisa que poderia ter realizado através de um documentário.

Lampião

Nunca compreendi o fato deste diretor não haver retratado aspectos da vida de Lampião, coisa que poderia ter realizado através de um documentário.


Recentemente, quando realizava uma pesquisa sobre os cinemas potiguares da década de 1970 nos velhos jornais potiguares na hemeroteca do nosso Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, me deparei com uma interessante notícia afirmando que Glauber Rocha teria dado início a um projeto para filmar a vida de Lampião.

A Conquista do Sertão Por Lampião

Na página 4, da edição de sexta feira, dia 24 de novembro de 1972, no extinto jornal “A República” encontro a manchete que apresento na fotografia abaixo. Este material, uma reprodução da revista portuguesa “Vida Mundial”, iniciava afirmando que Lampião “já havia sido tema de vários filmes nacionais”, iria novamente invadir as telas com seus “cabras, seus tiros e suas artimanhas” e a direção seria de Glauber Rocha.


Aos jornalistas Glauber comentou que desejava dar ao “seu” Lampião uma visão “mais original”. Afirmou aos jornalistas portugueses que em “um ou dois anos” a película estaria pronta e já tinha até mesmo um título;

A Conquista do Sertão Por Lampião.


Para Glauber havia uma dificuldade em conhecer, em decifrar, a figura de Lampião. Comentou que ainda não tinha feito filme, pois “não conheço muito bem o caráter de Lampião; li muitos livros sobre ele, mas é um personagem controvertido, e ainda não tenho nenhuma ideia sobre ele, e também não quero criar uma visão romântica”.
           
Glauber sentia a mesma dificuldade que muitas pessoas têm ao tentar compreender a figura de Virgulino Ferreira da Silva, quando leem livros sobre a sua vida.

Revista Portuguesa vida mundoal

Outra dificuldade para a realização da obra naquele momento era saber quem seria o ator que iria representar Lampião. Disse que tinha dificuldades em eleger este ator, pois não conseguia concluir pelas fotos existentes nos livros, se Virgulino “era baixo ou alto”.
           
Mas o diretor baiano tinha a ideia clara da linguagem cinematográfica a ser utilizada nas filmagens sobre a vida de Lampião. Para Glauber “Quanto ao problema da linguagem, penso sempre ao nível do plano e nunca ao nível do argumento. Não parto do roteiro para fazer os meus filmes, mas, sim, dos personagens. Se não consigo resolver uma personagem em função de um plano, corto o personagem e não repito o plano. Isto não é uma posição estética, mas cinematográfica, porque, para mim, o cinema é o próprio estilo”.

Com Faulkner na Mão, os Atores a Vontade e Muito Amor pelo Nordeste

Para a reportagem de “Vida Mundial”, reproduzida pelo jornal potiguar, o diretor de cinema brasileiro revelou seu forte entusiasmo pelo escritor americano William Faulkner (1897 – 1962).

 
O escritor William Faulkner em seu escritório

Afirmou que na hora das filmagens estava sempre a mão com um exemplar de O Som e a Fúria, Absalão! Absalão!, Os Invencidos, Luz em Agosto e outros. O fato de Glauber ter estes clássicos do escritor americano era uma fonte de inspiração, pois para ele havia o desejo de filmar como se “estivesse escrevendo uma novela, um monólogo direto, no estilo de Faulkner”. Glauber declarou que este era o escritor que mais admirava.


Para as filmagens de A Conquista do Sertão Por Lampião, Glauber afirmou que teria uma atitude liberal para com os atores, deixando a improvisação seguir a vontade. Tinha até uma palavra de ordem para aqueles que iria dirigir; “inventa teu próprio personagem”, contanto que desse tudo certo, senão ele como diretor faria algum tipo de intervenção. Mas afirmou que quando tudo corria bem no desenvolvimento do filme, “deixo os atores improvisarem com liberdade”.
         
Glauber comentou na reportagem seu orgulho pelas raízes nordestinas e do entusiasmo de ser “natural desta região e estou muito ligado a ela”.


Mostrando como as filmagens e as repercussões de Deus e o diabo na terra do sol e Dragão da maldade contra o santo guerreiro tiveram em sua importante carreira, finalizou a entrevista comentando que desejava fazer “unicamente filmes de cangaceiros”. Mas completou dizendo “embora não queira, porque pode parecer uma repetição”.
           
Neste último trimestre de 1972 o cineasta baiano estava oficialmente exilado em Cuba, onde permaneceu até dezembro daquele ano. Segundo a biografia de Glauber, existente no site da Fundação Tempo Glauber (http://www.tempoglauber.com.br), durante o ano de 1972, ele conclui junto com Marcos Medeiros o filme História do Brasil.


Nesta época manteve encontros com exilados e lideranças da esquerda brasileira como:

 
 Vladimir Palmeira,

 
José Dirceu,

 
Fernando Gabeira,

 
Miguel Arraes e outros.

Neste período ele viajou com destino a Roma e Paris para comprar cerca de dois mil livros para a realização de pesquisas. Creio que foi nesta ocasião em que circulou pela Europa, que ele concedeu a entrevista para a revista portuguesa “Vida Mundial” de 28 de outubro de 1972, reproduzida nas páginas do jornal natalense.

O Que Foi Feito de A Conquista do Sertão
Por Lampião
 
Quem pesquisar a filmografia de Glauber Rocha não vai encontrar nada referente a película A Conquista do Sertão Por Lampião, pois Glauber não a realizou.


Para o Professor Mauricio Cardoso, do Departamento de História da USP-Universidade de São Paulo, autor do artigo Glauber Rocha e a tentação do exílio (1972-1976), publicado no livro L’exil brésilien en France-Histoire et imaginaire – O exílio dos brasileiros na França-História e imaginário, SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos; ROLLAND, Denis (Organizadores), Paris, Editora L´Harmattan, 2008, pp. 327-339, de todos os diretores do Cinema Novo, Glauber foi efetivamente o mais ativo e reconhecido no exterior.


Em 1969, no Festival de Cannes, o filme O Dragão da maldade contra o santo guerreiro recebeu o prêmio de melhor direção e foi a consagração do cineasta baiano na Europa.
           
Com o sucesso dos seus filmes Glauber circulava pelos grandes festivais de cinema, dava entrevistas em revistas especializadas, sendo elogiado por consagrados mestres europeus como o italiano Roberto Rossellini, o espanhol Luis Buñuel e o francês Jean-Luc Godard.


Entre 1969 e 1970, através dos muitos contatos internacionais conseguidos, o cineasta baiano roteirizou e dirigiu Der leone have sept cabeças e Cabezas cortadas. O Professor Cardoso aponta que estes filmes sofreram fortes críticas da mídia especializada e dos produtores europeus.
          
Aparentemente houve uma decepção pelos rumos da obra do cineasta, ocasionando um desinteresse pelo seu trabalho. Glauber, de maior diretor de cinema do Terceiro Mundo, deixou quase que repentinamente de ser assunto de debate cinematográfico.
          
Cardoso afirma que após estes episódios Glauber não conseguia novos financiamentos para os seus projetos, apesar do seu esforço ininterrupto para emplacar inúmeros trabalhos. As dificuldades em realizar seus projetos, o crescente desinteresse da crítica europeia pelos seus filmes realizados no exterior provocou uma espécie de asfixia econômica e social do cineasta.


O projeto A Conquista do Sertão Por Lampião seria uma retomada dos filmes com cenários no Nordeste do Brasil, agora tendo como personagem principal a figura do famoso Lampião. Já a reportagem para a revista portuguesa “Vida Mundial”, poderia ser uma mensagem para os produtores europeus, informando que o diretor Glauber Rocha voltava suas energias para novamente filmar na mesma área que o consagrou, mas agora tendo como personagem principal o mais representativo chefe do movimento cangaceiro. Mas não deu certo.


O Que se Perdeu

No arquivo da Fundação Tempo Glauber, entidade criada pela família Rocha para manter seu acervo de 22 filmes e quase 80 mil documentos, com sede na Rua Sorocaba, nº 190, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, existem documentos que incontestavelmente apontam que Glauber Rocha tinha o desejo de realizar um trabalho envolvendo a vida de Virgulino Ferreira da Silva. Em meio a 223 roteiros de filmes e projetos de livros, a maioria dos quais inéditos, se encontram anotações com a distribuição de atores para o projeto de um filme intitulado “LAMPIÃO”. Afora isso existe dossiers de projetos futuros, onde surgem novamente títulos como “LAMPIÃO”, “O CANGACEIRO LAMPIÃO” e “O PRÍNCIPE DO INFERNO”.


Talvez uma pesquisa mais apurada no acervo de Glauber Rocha possa apontar o que se perdeu pelo fato de não ter ocorrido esta filmagem. Certamente devem estar guardados apontamentos deste precioso trabalho que ajudariam a ter uma ideia de como Glauber Rocha pensava Lampião e o cangaço. Certamente seria algo marcante.


Reunir em uma película cinematográfica a controversa história da figura maior do cangaço, tendo como diretor o vulcão criativo que era Glauber Rocha, que iria desenvolver esta obra como se “estivesse escrevendo uma novela, um monólogo direto, no estilo de Faulkner” e dando a grandes atores da dramaturgia brasileira da época a total liberdade de criar seus personagens como eles quisessem.

Em 1981, em Portugal, recebeu a visita do conterrâneo
Jorge Amado. Fonte: jorgeamadoespecial.blogspot.com

Em agosto de 1981 é internado em Portugal com complicações pulmonares. Em estado de extrema gravidade é trazido de volta ao Brasil na noite do dia 20, sem acompanhamento médico. Chega ao Rio de Janeiro no dia 21 e recebe soro ainda na enfermaria do Aeroporto do Galeão. Depois é levado para a Clínica Bambina, em Botafogo, onde falece às 4 horas da manhã do dia 22 de agosto.
 

Todos os direitos reservados

O autor deste: Rostand Medeiros comunica que é permitida
a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso,
desde que citada a fonte e o autor.

Extraído do Blog "Tok de História", do autor deste artigo -  
Rostand Medeiros

http://blogdomendesemendes,blogspot.com/

Lampião morreu ou não morreu em Angico?

Alguns leitores ficam com esta dúvida. Mas leia o que o Diário de Natal publicou no dia 17 de maio de 2010.

O historiador Frederico Pernambucano de Mello, um dos maiores especialistas de Lampião e do cangaço no Brasil, revela que já ouviu algo a respeito dessa versão sobre a "nova vida" do capitão em Minas Gerais.

Entretanto, afirma que as evidências são comprovadamente suficientes para indicar que ele realmente morreu durante um tiroteio na batalha de Angico, na madrugada de 28 de julho de 1938.


"Logo que sua cabeça foi cortada, ela foi exibida e várias pessoas; amigos de infância, conterrâneos, companheiros a examinaram e asseguraram que era sim a cabeça de Lampião. Temos pelo menos 40 depoimentos nesse sentido. Além do mais, fotos da cabeça foram comparadas com fotos dele. O corpo foi examinado também. Como historiador, não encontro nenhum motivo razoável para que ele não tenha morrido do jeito que conhecemos. Nada que atestasse sua morte foi oculto", destaca Pernambucano de Mello.
Ele acrescenta que é natural que sua morte e sua história provoquem controvérsias, assim como de outros mitos como:

 Hitler,


Elvis Presley,
e que este é um tema a ser tratado muito mais por psicólogos do que por historiadores. "As pessoas gostam de fomentar essas histórias, criadas por quem admira essas figuras; faz parte da sobrevivência do mito. Com relação ao Lampião, eu mesmo já segui meia dúzia de pistas de que ele estava vivo e não deu em nada. Não li este livro, mas quero ler e examinar, e conhecer as razões que levaram o autor a acreditar nessa versão", afirma.
O fim do rei do cangaço
Na versão oficial da morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que nasceu em julho de 1897, em Pernambuco, consta que, em 28 de julho de 1938, forças policiais, as volante, promoveram uma emboscada a um grupo de cangaceiros, na localidade de Angico, município de Poço Redondo, no Estado de Sergipe, matando 11 pessoas e apresentando às autoridades suas cabeças, dizendo que se tratava de Virgulino Ferreira da Silva, sua mulher Maria Bonita e de alguns seguidores.

Adendo

Com as palavras de um dos maiores conhecedores do cangaço, o escritor Frederico Pernambucano de Melo, o amigo leitor ainda tem dúvida que o rei Lampião não morreu na Grota de Angico, na madrugada de 28 de julho de 1938, no Estado de Sergipe? Não há motivo para ter dúvida.

"http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Alagadiço: um povoado rico de histórias, mas esquecido


Por: Vivianne Paixão
A aplicação de óleo de  Alpinia  relaxa e fortalece os músculos. Foto: Vivianne Paixão/Especial para Terra
Publicado em 02/11/2008 no Jornal da Cidade, SE.

Quem pega a rodovia 235, com destino ao município de Frei Paulo, a 71 quilômetros da capital, corre grande risco de passar despercebido por uma minúscula placa: “Alagadiço a 8 Km”.

[p6300279512x384jb3.jpg]

Uma identificação tímida, que contrasta com a grandiosidade da riqueza histórica e cultural do povoado. Foi lá que Virgulino Ferreira, o Lampião, esteve por quatro vezes e deixou naquelas bandas o seu capanga Zé Baiano, também conhecido como “Pantera Negra dos Sertões” e considerado um monstro impiedoso. Toda essa saga está retratada no livro “Lampião e Zé Baiano no povoado Alagadiço”, do pesquisador Antônio Porfírio de Matos Neto, natural da região. Registro de um patrimônio sergipano “poupado” do seu devido valor pelo Estado, que poderia muito bem transformar Alagadiço em mais um destino turístico (e, por que não dizer, gerador de emprego e renda) da rota do cangaço.

Antonio Porfírio

“O povo daqui é carente demais e a única maneira que acho que iria ajudar a melhorar a vida dele seria através do turismo.  A rota do cangaço de Xingó deveria existir aqui também. Temos uma narrativa incrível em que seis conterrâneos conseguiram acabar com um dos bandos de Lampião e eu estou buscando de todas as maneiras possíveis trazer essa rota para a nossa comunidade, que está disposta a contar e recontar toda a sua história”, avisa Porfírio. (Foto)
A derrocada de Lampião começou por volta de 1930 neste pequeno povoado de Frei Paulo, hoje com cerca de três mil habitantes. Conta a história que o Rei do Cangaço entrou pela primeira vez acompanhado de dez cangaceiros, fazendo a maior arruaça, derrubando portas, roubando jóias e alguns pertences dos moradores. “Ele chegou na minha casa eu era criança. Perguntou se meu pai estava, me assustei e perguntei a ele se meu pai o conhecia. Ele logo me deu um grito mandando eu chamá-lo. Depois ele ainda mandou que eu lavasse as ‘percatas’ (sandálias) do bando e que eu tirasse leite da vaca, coisa que eu nem sabia como fazia”, rememora a dona de casa Ivete Matos, 81 anos.
Alagadiço tinha uma posição privilegiada e, por não possuir destacamento reforçado da polícia, favorecia o trânsito dos bandidos de um lado a outro do Estado. Assim, Lampião andava tranquilamente pela redondeza. Em 1932, ele retornou ao povoado. Desta vez não molestou ninguém, apenas levou algumas coisas dos moradores. Um ano depois, Virgulino entrou de novo em Alagadiço e foi diretamente à casa de Antônio de Chiquinho querendo obter informações sobre a volante que pretendia acabar com o seu bando.


No ano de 1934, Lampião apareceu em Alagadiço pela última vez, deixando essa região sob o comando do grupo de Zé Baiano. Filho natural de Chorrochó, ele passou a aterrorizar os moradores daquele local. Coube a esse destemido cangaceiro a posse das terras compreendidas entre os municípios de Frei Paulo, Ribeirópolis, Pinhão e Carira, em Sergipe, e ainda Paripiranga, na Bahia.

Acervo de Luiz Antonio Barreto

O “Pantera Negra dos Sertões” era um negro, alto, forte, nariz achatado, queixo comprido, cabelos ruins e maltratados, que usava óculos e tinha uma voz grossa. Após ter ficado sabendo da traição amorosa da sua companheira, a qual ele assassinou a pauladas, passou a marcar mulheres indefesas com um ferrão de iniciais “J.B.”, como se fossem gados. Requinte de perversidade.
Com fama de impiedoso, o famigerado “ferrador de mulheres” era tido como um dos mais ricos do bando – formado por Demudado, Chico Peste e Acelino. Durante anos cometeu atrocidades, saqueou e impôs a sua própria lei em Frei Paulo e municípios vizinhos. A polícia não descansava procurando os temíveis bandidos que se escondiam em casas de fazendeiros. Estes, se não contassem à polícia, eram chamados de coiteiros, e se falassem eram apelidados de dedo duro na boca do cangaceiro.


A mata era o maior refúgio desses facínoras. No corpo de uma árvore – viva até hoje – eles silenciavam suas armas e na chamada “Toca da Onça”, na Fazenda Caipora, evitavam o ataque de inimigos com troca de tiros, já que de lá de cima tinham uma visão panorâmica e privilegiada de toda a região.

Toca da onça

Certa vez, o inesperado para Zé Baiano aconteceu. Por ser coiteiro do seu bando, o comerciante Antônio de Chiquinho, cansado das perseguições da polícia – chegou até a ser preso – e da desconfiança dos cangaceiros, tramou um plano para eliminar o grupo do impiedoso “ferrador”. E foi numa entrega de alimentos, solicitada pelo Baiano, que o comerciante convidou os conterrâneos:


Pedro Sebastião de Oliveira (Pedro Guedes), Pedro Francisco (Pedro de Nica), Antônio de Souza Passos (Toinho), José Francisco Pereira (Dedé) e José Francisco de Souza (Biridin) para, juntos, darem fim ao bando. No dia 7 de julho de 1936, os seis amigos conseguiram dar cabo aos quatro temíveis bandoleiros na Lagoa Nova (localidade de Alagadiço). Os conterrâneos mantiveram o feito em sigilo durante cerca de 15 dias, temendo a represália de Lampião contra o povoado.
Antônio de Chiquinho, certo de que Lampião voltaria a Alagadiço para se vingar da morte do seu amigo, preveniu-se do embate e perfurou as paredes da sua casa – hoje uma creche comunitária –, tendo assim melhor visão da rua para atirar quando ele aparecesse. Porém, para a sua sorte, Virgulino Ferreira resolveu deixar pra lá o acerto de contas graças a Maria Bonita, que o alertou sobre a presença de um canhão no povoado, onde cabia um menino dentro acocorado – um minicanhão que, inclusive, está guardado no acervo do historiador Antônio Porfírio.


Ações de Porfírio

O autor do livro “Lampião e Zé Baiano no povoado Alagadiço” cresceu ouvindo as histórias que eram contadas pelos mais velhos e, muito curioso, mergulhou fundo em cada narração. Diante de tanta riqueza cultural, resolveu organizar todas as informações em um livro. “Eu não podia deixar morrer a nossa cultura. Foram seis civis filhos de Alagadiço que conseguiram acabar com quatro bandidos de Lampião, e isso é que é importante destacar”, comenta Porfírio.
A produção independente de “Lampião e Zé Baiano no povoado Alagadiço” foi vendida por completo. “Para minha surpresa o meu livro esgotou as vendas. Foram mais de dois mil exemplares”, relata o pesquisador que, além da publicação, construiu um museu dentro do seu próprio sítio. “Essa também foi outra grande surpresa, porque eu não esperava que viesse tanta gente visitar. Vêm pessoas de outros estados, curiosas para saber da história. Isso é gratificante”, diz Porfírio.
O escritor adquiriu os materiais do museu dentro do próprio povoado, dos lugares onde os cangaceiros se escondiam ou dos próprios moradores. Algumas peças foram compradas fora de Sergipe. “Muitos punhais, armas e indumentárias dos cangaceiros eu encontrei aqui, dentro do tronco de uma árvore e na Lagoa Nova.


Também tenho no acervo o minicanhão que salvou Alagadiço de ser exterminado por Lampião, e três cartas escritas por Dadá, mulher de Corisco, ao compadre Joãozinho de Donana, que criou a filha deles por dois anos na cidade de Pinhão”, relata.
Na Lagoa Nova, onde Zé Baiano e os seus capangas tombaram, Porfírio construiu O Memorial do Cangaço de Alagadiço, também com recursos próprios. “O dono da fazenda me cedeu o espaço e eu contratei os pedreiros para construir. É uma construção bem simples. Na verdade o que deveria ser construído mesmo era um grande e bonito mausoléu”, lamenta o historiador.
Porfírio também construiu no seu sítio uma biblioteca. “Um lugar onde o povo daqui, principalmente os adolescentes, possa ler mais sobre a história do seu povoado. Ainda não estou com o acervo completo, tenho apenas dois mil livros, sendo a maioria especializada em literatura sergipana. Se engana quem acha que a comunidade pobre não gosta de coisa boa. A minha biblioteca, graças a Deus, é muito freqüentada pelos moradores”, garante.
Segundo o pesquisador, todas essas suas iniciativas foram pautadas com o intuito de resgatar a cultura e a cidadania dos seus conterrâneos. “O povoado aqui não tem atrativo nenhum e essas coisas servem como divertimento para eles. Uma história bonita como essa de Alagadiço tem que ser trabalhada”, diz Porfírio, que pretende, em breve, colocar um circo também dentro do seu sítio. “É para eles terem oficina de teatro. Vou aplicar o método Paulo Freire, com a pedagogia do oprimido”, explica.

Memória

Ante a alta relevância dos fatos ocorridos em Alagadiço, o cineasta de Fortaleza, Wolney Oliveira, não perdeu a oportunidade e gravou um longa-metragem na localidade, que irá às telas do cinema no próximo ano, quando a morte de Lampião completa 70 anos.

Wolneey Oliveira e Nicette Bruno

Ao que tudo indica, as pessoas de outros estados vão conhecer Alagadiço antes mesmo que os próprios sergipanos.
Enquanto isso, toda a riqueza cultural do povoado de Frei Paulo permanece guardada nas lembranças dos seus moradores mais antigos e no livro de Antônio Porfírio. “Eles eram rapazes pacíficos, apenas entraram na luta porque um amigo deles botou, mas eles não faziam mal a ninguém, eram meninos direitos e não eram de briga. Tive nove irmãos e só esses dois morreram devido a luta. Foi logo depois da morte de Zé Baiano que deu uma febre forte em um, e no outro deu uma doença braba, e disso eles morreram”, recorda Uília de Almeida, 103 anos, com relação aos seus irmãos Toinho e Dedé, cangaceiros do bando de Zé Baiano.
Lembranças que muitas vezes assustam até mesmo quem nunca viu Zé Baiano, muito menos Lampião.  
“Eu escuto direto uma zoada como se estivessem andando nas ruas, fazendo a maior bagunça. Ouço eles andando de carro de boi e também um monte de gados e cavalos correndo e acabando com tudo. Mas só escuto, não vejo nada. Só fiquei assustado uma vez quando vi um vulto passando, aí eu cacei a cabeça e não achei”, conta o roceiro José Gilson de Oliveira, 57 anos, dono da fazenda na Lagoa Nova, onde Zé Baiano foi morto e teve sua cabeça decepada.

Guerra de Canudos

Considerado hoje um dos principais povoados do município de Frei Paulo, Alagadiço teve sua origem por volta do século XIX, pelo senhor João Pereira da Conceição, que organizou uma praça e denominou o local, por ser uma área bastante alagada, principalmente no período chuvoso.
Um fato interessante da história do povoado foi o ocorrido com um dos seus primeiros moradores, o senhor João Sabino dos Santos, que, após desertar da batalha de Canudos, foi ali residir, em 1896. O governo da Bahia o procurava para cumprir prisão, como fez com todos os desertores. Foi quando, no final da batalha, localizaram-no desfrutando da paz e aconchego ao lado de sua mulher, Angélica dos Santos, grande devota de Nossa Senhora da Conceição, a quem fez a promessa de rezar uma novena se lhe fosse concedida a bênção de seu marido não ser preso.
Prece atendida, Sabino dedicou-se à construção de uma capelinha e Angélica adquiriu uma bela imagem de Nossa Senhora da Conceição para cumprir a promessa de nove dias de festa cristã. Celebração que acontece até os dias de hoje no mês de dezembro.


Extraído do blog "Lampião Aceso",
para o "blog do "Dr Lima"